Revista Diálogos & Debates – Setembro 2006
Por Vladmir Silveira
Ao submeter o Brasil à jurisdição de Tribunal Penal Internacional, a emenda constitucional 45/2004 trouxe importante contribuição ao demonstrar que a soberania pode ser exercida justamente contra a cláusula de jurisdição doméstica e a favor dos direitos humanos.
Recentemente – ou seja, no dia 17 de agosto de 2006 –, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Governo Brasileiro pela morte violenta do paciente Damião Ximenes Lopes, de 30 anos, internado em hospital psiquiátrico privado na cidade de Sobral, Ceará, declarando na sentença condenatória: “(…) a responsabilidade internacional (do Estado brasileiro) por descumprir, neste caso, seu dever de cuidar e de prevenir a vulneração da vida e da integridade pessoal, (…)”.
A sentença afirma e conclui, explicitamente, que o Brasil violou sua obrigação internacional – assumida livre e soberanamente perante a comunidade internacional – de respeitar e garantir os direitos humanos, tendo em vista o reconhecimento da violação do direito à integridade pessoal de Damião, além dos direitos às garantias e à proteção judicial a que seus familiares têm direito (no decorrer do texto da referida sentença, a Corte Interamericana conclui “que o Estado não proporcionou aos familiares de Ximenes Lopes um recurso efetivo para garantir acesso à justiça, à determinação da verdade dos fatos, à investigação, identificação, o processo e (…) a punição dos responsáveis pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial”).
Um marco pelo direito Esta decisão que entra para história como a primeira condenação internacional do Estado Brasileiro, no âmbito da OEA, aparentemente com um conteúdo negativo, é o resultado positivo de uma luta constante e árdua no âmbito da efetividade dos direitos humanos.
Com efeito, a lamentável morte de Damião Ximenes Lopes serve como manifesto e exemplo da consciência internacional – e também regional – no sentido da proteção à dignidade da pessoa humana.
As barbaridades (e entre elas podemos hoje citar os crimes de genocídios, contra a humanidade, de guerra e contra a administração da Justiça) praticadas nas guerras declaradas e não-declaradas, que se sucederam desde o princípio da Idade Moderna até os dias de hoje, e a justiça estatal, realmente com a venda nos olhos, frustraram os desejos da comunidade internacional pelo primado e respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Desse modo, durante muito tempo, as vítimas desses crimes e o povo em geral se viram desprotegidos da tutela dos seus direitos humanos, à medida que não tinham a quem recorrer, restando- lhes apenas a aceitação dos fatos, ou na melhor das hipóteses à esperança de se fazer justiça com um poder acima do estatal (a corrente do Jusnaturalismo correspondente a uma justiça superior e anterior – trata-se de um sistema de normas que independe do direito positivo, ou seja, independe das variações do ordenamento da vida social que se originam no Estado. O direito natural deriva da natureza de algo, de sua essência.
Sua fonte pode ser a natureza, a vontade de Deus ou a racionalidade dos seres humanos. Com efeito, a reiteração de experiências aterrorizantes, como a morte de Damião Ximenes Lopes, levaram a humanidade a lutar pela criação de tribunais de caráter permanente e com jurisdição universal, tendo em vista a dificuldade de efetividade das normas de direitos humanos, haja vista a necessária superação de dogmas, como a cláusula de jurisdição doméstica, a inimputabilidade dos agentes estatais e a parcialidade dos tribunais ad hoc.. (Os tribunais ad hoc foram sempre criticados, tendo em vista que representam os tribunais dos vencedores, haja vista que são vinculados ao Conselho de Segurança da ONU).
Assim, até o término da Segunda Guerra Mundial pouco se fez no plano internacional por absoluta falta de meios legais e institucionais para coibir genocídios, massacres, assassinatos, torturas, mutilações e outras ofensas graves aos direitos humanos praticados em grande escala.
No plano doméstico brasileiro, esse processo de institucionalização e garantia dos direitos humanos culminou com a emenda constitucional nº 45/2004, que se mantendo fiel ao espírito da nossa Constituição Federal de 1988 representou um grande avanço na efetividade dos direitos humanos ao submeter o Brasil à jurisdição de Tribunal Penal Internacional, em seu artigo 5º § 4º. Neste sentido, pode-se dizer que trouxe uma importante contribuição ao demonstrar que a soberania pode ser exercida justamente contra a cláusula de jurisdição doméstica e a favor dos direitos humanos.
Proteção dos direitos essenciais do homem Note-se, que a referida emenda criou uma jurisdição internacional dentro do ordenamento jurídico pátrio ao reconhecer, constitucionalmente, a submissão do Brasil à jurisdição de “Tribunal Penal Internacional”, a cuja criação tenha manifestado adesão.
Portanto, a Corte Interamericana de Direito Humanos que não é citada expressamente no rol do art. 92 da Constituição Federal, mas sim em razão da combinação desse novo dispositivo e do original § 2º do art. 5º da mesma Constituição Federal (Art. 5º, parágrafo 2º:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”), a partir de então, ampliou a lista de Tribunais – órgãos do Poder Judiciário Brasileiro –, à medida que criou novo instrumental de afirmação não só da existência, como também de eficácia das normas constitucionais, além do II do art. 4º da CF, que nos brindou com a prevalência dos direitos humanos.
Por oportuno, importante lembrar, que originalmente o art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Brasileira em vigor, já preceituava que “o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”.
Assim sendo, pode-se concluir que o Ordenamento Brasileiro, com a aludida modificação constitucional, ampliou o reconhecimento de jurisdição penal, trazendo importantes conseqüências como a nova espécie de jurisdição penal internacional, que passará a combater novos tipos penais com grande eficácia.
Com efeito, pode-se dizer que a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004 o princípio lógico, ontológico e deontológico da vida passa a ser realmente protegido por nosso ordenamento (conferir VERDÚ, Pablo Lucas. Teoria General de las Articulaciones Constitucionales. Madrid: Dykinson, 1940, pág. 44).
Importante ressaltar que a aludida disposição constitucional é impactante, pois permite que se questione às responsabilidades jurídicas e políticas dos representantes dos cidadãos em nosso país, de nosso Direito e do nosso sistema democrático perante a comunidade internacional.
Frise- se que a Organização dos Estados Americanos (OEA) tem como missão a promoção da democracia e defesa dos direitos humanos, mediante a Convenção Americana dos Direitos Humanos.
Nesse sentido, saliente-se ainda que esse tratado regional é obrigatório para os Estados que o ratificaram, sendo também o desfecho final de um processo que se iniciou no final da Segunda Guerra Mundial, quando as nações da América se reuniram no México e lá decidiram que deveria ser negociada uma declaração sobre direitos humanos, que pudesse posteriormente ser adotada como convenção regional.
Sendo assim, com o objetivo de proteger os direitos essenciais do homem no continente Americano, a Convenção criou dois órgãos competentes para reconhecer e combater as violações aos direitos humanos, à saber: (i) a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos; e (ii) a Corte Interamericana dos Direitos Humanos, as quais exercem funções distintas e complementares.
A Corte Interamericana dos Direitos Humanos se configura como o órgão jurisdicional do sistema interamericano de direitos humanos, a qual condenou o Brasil a indenizar a família de Damião Ximenes Lopes por danos materiais e imateriais, que chegam a US$ 140 mil (aproximadamente R$ 314 mil) no prazo de um ano.
Além disso, determinou que o país investigue e puna os responsáveis pelo crime de forma célere, isto é, que conclua o mais rápido possível os processos civil e criminal que ainda estão em andamento.
Uma atitude louvável do governo Observe-se, ainda, que, sendo a primeira vez que a Corte se pronuncia sobre violações de direitos humanos de portadores de transtornos mentais, representa também um passo importante para o aprimoramento da política pública de saúde mental no Brasil.
Nesse sentido, a sentença estabelece que o Estado brasileiro deve regulamentar e monitorar os serviços públicos de saúde mental e investigar e combater a impunidade das violações de direitos humanos nesses locais.
Além disso, deve também continuar a implementar as reformas psiquiátricas, já iniciadas, no sentido de melhorar a atual situação dos portadores de transtornos mentais.
Portanto, verifica-se um amadurecimento na relação entre direito doméstico e internacional (regional), que passam a unir esforços pelo primado da dignidade da pessoa humana.
Oportuno destacar, a louvável atitude do governo federal que, ao invés de contestar a decisão – irrecorrível e com prazo máximo de cumprimento de 1 (um) ano –, informou, em nota oficial, que o Estado brasileiro já se encontra estudando as formas necessárias para dar “pleno cumprimento a todos os itens da sentença da Corte”.
Com efeito, para garantir uma maior celeridade à ação penal, foi constituído um grupo de estudo que deverá ser integrado por representantes da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, da Presidência da República, do Conselho Nacional de Justiça, do Ministério das Relações Exteriores e da Advocacia-Geral da União, para dinamizar o presente caso e outros processos judiciais internos, cujos objetos estão sob consideração dos órgãos internacionais de proteção e promoção dos direitos humanos.
Disso tudo, pode-se concluir que, na medida em que o Brasil é um país signatário do Tratado Interamericano da Costa Rica, inclusive tendo-o ratificando em 1992, o qual incluiu, portanto a Convenção Interamericana e, por conseqüência, a própria Corte, no nosso direito e nas nossas instituições; a ausência desta última (a Corte) na lista dos órgãos do Poder Judiciário, do art. 92 da Constituição Federal, não constitui óbice a sua constatação, como nova espécie de órgão do Poder Judiciário brasileiro de Jurisdição Internacional.
Em outras palavras, pode-se dizer que nosso Poder Judiciário se expande do nacional para o internacional − nesse particular, para o interamericano – aceitando plenamente, em matéria de direitos humanos, uma jurisdição autônoma e internacional.
Portanto, com a ampliação internacional do Poder Judiciário brasileiro, ele não se esgota nos seus tribunais internos, restritos à lista do artigo 92 da Constituição Federal,mas se amplia à jurisdição de tribunais supranacionais,ou seja, daqueles em que a soberania brasileira também faz parte numa fração ideal, contudo, indivisível e integral, decorrente dos termos do parágrafo 4º do artigo 5º da Constituição Federal, que dispõe que o Brasil se submete também mà jurisdição de Tribunal Penal Internacional, a cuja criação manifestou adesão.
Resta evidente que a norma constitucional não se limita ao Tribunal Penal Internacional de Roma, apesar da coincidência terminológica entre o nome deste e o texto constitucional, segundo a expressão fixada no parágrafo 4º, qual seja, “Tribunal Penal Internacional”.
Frisese que o Poder Reformador não apontou uma espécie, e sim um gênero, haja vista que o Tribunal de Roma já havia sido ratificado pelo Governo brasileiro em meados de 2002 e o texto constitucional se refere à jurisdição de – e não do – Tribunal Penal Internacional.
De fato, o Governo brasileiro assinou o tratado internacional referente ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional em 07.02.2000, tendo o mesmo sido aprovado pelo Parlamento brasileiro por intermédio do Decreto Legislativo nº 112, de 06.06.2002 e na seqüência efetuou o respectivo depósito da carta de ratificação em 20.06.2002.
Posteriormente, o Governo brasileiro promulgou o referido tratado por intermédio do Decreto Presidencial nº 4388, de 25.09.2002.
Em outras palavras, entende-se que a norma constitucional não indica este ou aquele, portanto, não se refere a um determinado tribunal, como numa primeira leitura poderiam ser pensado.
Refere-se, sim, a uma nova categoria de instituto jurídico, consagrado positivamente na Constituição Federal, qual seja “Tribunal Penal Internacional, a cuja criação tenha (o Brasil) manifestado adesão”.
Nesse sentido, a categoria, reconhecida constitucionalmente, de “Tribunal Penal Internacional” é novo instrumental de afirmação, não só da existência, como também da eficácia das normas jurídicas, advinda da cláusula de abertura, inserida no parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal, que promove a aplicação do conteúdo dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos.
Desse modo, verifica-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos enquadra-se nessa categoria de Tribunal Penal Internacional, seja pela matéria criminal conhecível, seja pelo fato segundo o qual os Tribunais Penais não se limitam à aplicação de sanções, mas, também, conforme o artigo 63 do respectivo tratado, cabe-lhes assegurar as liberdades tolhidas, no que se compreendem inclusive as ações penais do Estado, por parte dos seus agentes do Poder Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário.
Dignidade da pessoa: fundamento da República Dentro dessa mesma perspectiva, cumpre observar que, desde sua adesão, a finalidade do Estado brasileiro se conecta com o espírito da Constituição em vigor, que estabelece um extenso marco de proteção dos direitos humanos.
Nesse diapasão, não se pode olvidar que a Constituição Federal de 1988 elegeu como fundamento da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a cidadania (art. 1º, II), observando que o Brasil deve-se reger, em suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), por ser objetivo fundamental do país a promoção do bem de todos, erradicação da pobreza e a marginalização e a construção de uma sociedade justa, livre e solidária (art. 3º, I, III e IV da CF).
Frise-se que, no que se refere ao poder jurisdicional da referida corte e sua função de garantia e proteção dos direitos humanos, ela não atua imediatamente como um nível de proteção concorrente ao interno. Pelo contrário, age apenas nos casos de falha ou ausência de tutela por parte do direito pátrio, como na trágica morte de Damião.
Portanto, pode-se dizer que os mecanismos internacionais de proteção se constituem tutela supranacional suplementar de atuação, à medida que servem de ampliação e controle da jurisdição interna, muito embora sempre com a anuência de cada Estado, haja vista a manifestação expressa e soberana de submissão a essa nova espécie de jurisdição.
Neste sentido, a ordem constitucional brasileira, a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, estabelece uma ampliação quanto à eficácia na proteção e garantia dos direitos humanos, que traz como conseqüência também a necessidade de distinção entre sentenças estrangeiras e internacionais, tendo em vista que estas últimas passam a submeter o Brasil dentro de suas jurisdições.
O tema alusivo à homologação de sentença estrangeira é objeto de norma constitucional, conforme preceitua o artigo 105, inciso I, alínea i (incluída pela Emenda Constitucional 45/2004) da Constituição Federal. Com efeito, na atualidade, compete ao Superior Tribunal de Justiça a homologação das sentenças estrangeiras.
Cada Estado dispõe de poder jurisdicional nos limites de seu território, competindo às autoridades judiciárias nacionais conhecerem das causas que nele tenham sede.
Assim sendo, o julgamento proferido no estrangeiro, via de regra, não tem eficácia em território diverso do que foi prolatado.
No entanto, em decorrência da necessidade de coexistência entre os Estados soberanos, bem como por exigências de ordem prática, a maioria dos sistemas de direito positivo confere eficácia, nos territórios dos Estados dos quais emanam, às sentenças proferidas no exterior, seja pela extensão dos efeitos da sentença ao território de outro Estado, seja pela atribuição à sentença de efeitos idênticos aos quais teria uma decisão nacional de conteúdo igual.
Nesse sentido, convém transcrever as precisas palavras do Min. Celso de Mello, que definem a homologação de sentença estrangeira, como: “processo de caráter homologatório, que se reveste de caráter constitutivo e faz instaurar, perante o E. Superior Tribunal de Justiça, uma situação de contenciosidade limitada.
Destina-se a ensejar a verificação de determinados requisitos, fixados pelo ordenamento positivo nacional, propiciando, desse modo, o reconhecimento pelo Estado brasileiro de sentenças estrangeiras, com o objetivo de viabilizar a produção dos efeitos jurídicos que lhe são inerentes (..) constitui um pressuposto de eficácia de sentenças proferidas por Tribunais estrangeiros” (STF, Sentença Estrangeira n° 5.093-EUA, Rel. o Min. Celso de Mello, j. em 08.2.96 publicada na Revista Trimestral de Jurisprudência n° 164, págs. 919-915).
A homologação de sentença estrangeira apresenta um duplo papel, à medida que é forma de se conferir eficácia à sentença proferida no estrangeiro e, ainda, de padronizar critérios de atendimento aos princípios de segurança e certeza jurídica (conferir KALICHSZTEIN, Juliana. Homologação de Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002, pág. 32).
Exatamente por isso, o artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil é taxativo no sentido de que “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.
Conforme se verifica, a lei nacional considera a sentença estrangeira capaz de adquirir eficácia no país, mas subordina tal aquisição a um ato formal de reconhecimento praticado por órgão judiciário nacional.
Nota-se, portanto, que a homologação estrangeira é diferente da sentença proferida pelo Tribunal Penal Internacional, organismo internacional no qual o país também exerceu sua soberania e jurisdição.Importante destacar, que no Tribunal Penal Internacional, cada país ao ratificar o estatuto, aceitou soberanamente suas condições e se fez, assim, também julgador.
Nesse sentido, Valério Oliveira Mazzuoli elucida a questão, afirmando que: “Sentenças proferidas por ‘tribunais internacionais’ não se enquadram na roupagem de ‘sentenças estrangeiras’ a que se referem os dispositivos citados na CF/88 e no CPC.
Por sentença estrangeira deve se entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de determinado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados” (ver MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tribunal Penal Internacional e o Direito Bra Brasileiro. São Paulo: Ed. Premier Máxima, 2005, págs. 80-81).
Ressalte-se que o exercício desta jurisdição internacional baseia-se em ato de liberalidade do Estado aderente em relação a sua soberania, pois a jurisdição é um atributo da soberania e o Estado aderente, manifestando-se soberanamente no âmbito internacional, passa uma parcela dessa soberania para a entidade supranacional, que passa a dispor de jurisdição sobre o próprio Estado, mas não deixa de exercer sua vontade de aplicar a lei e de julgar de acordo com o conjunto de leis acordadas. Também, nessa mesma perspectiva, André Giardina esclarece que:
“Sentenças internacionais são atos judiciais emanados de organismos judiciários internacionais de cuja formação o Estado participou com o produto de sua vontade, seja porque aceitou a sua jurisdição obrigatória, como é o caso do TPI, seja porque, mediante acordo especial, concordou em submeter a solução de determinada controvérsia a um organismo internacional, como a Corte Internacional de Justiça”
(conferir GIARDINA, Andréa. La mise en oeuvre au niveau national des arrêts et des décisions internationaux In: Recueil des Cours, vol. 165, 1979-IV, págs. 234-352).
Portanto, resta clara a distinção entre homologação de sentença estrangeira na qual o país não opinou, não julgou e não aplicou a lei, mas apenas e tão somente homologou a sentença por uma conveniência e uma sentença em que país nem precisa homologar, pois já está de acordo com a decisão, antes mesmo de ser proferida, na medida em que o tribunal internacional possui jurisdição sobre o próprio Estado, obrigando-o perante a comunidade internacional a respeitar suas decisões, sob pena de responsabilidade internacional (nesse sentido vide: RAMOS, André de Carvalho.
O Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a Constituição brasileira. págs. 283-284). Sendo assim, por derradeiro, conclui-se que no caso do Brasil, o Superior Tribunal de Justiça não tem competência constitucional para homologar sentenças proferidas por tribunais internacionais, haja vista que o Brasil se submete à jurisdição de qualquer Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.
Desse modo, entendese que a recente condenação em virtude da morte de Damião imposta pela Corte Interamericana de Direitos Humanos prescindirá do processo de homologação de sentença frente ao STJ. p
Por Vladmir Silveira