Fonte: ONU
Uma especialista em direitos humanos da ONU exortou o Supremo Tribunal do Brasil a reconhecer o direito à indemnização dos indivíduos que, enquanto crianças, foram separados dos pais afetados pela hanseníase e segregados da sociedade.
Cerca de 16 mil pessoas nessa situação foram enviadas para este tipo de instituições entre 1923 e 1986, em conformidade com a política de segregação forçada então praticada pelo Estado.
Justiça
Durante a última década, foram apresentados vários casos pelas crianças separadas nos tribunais estaduais que ainda estão pendentes. O Supremo Tribunal deverá ouvir as partes antes do final do ano.
Em comunicado, Alice Cruz disse que “o Supremo Tribunal tem agora uma oportunidade de corrigir esta injustiça que, dados os seus efeitos duradouros, deve ser considerada uma violação permanente de natureza imprescritível.”
Segundo a relatora especial, “estas pessoas suportaram uma vida inteira de sofrimento em resultado deste tratamento desumano e, para muitos que são agora idosos, o tempo está a esgotar-se para que vejam corrigidos os erros do passado”.
Alice Cruz afirmou que “o Brasil tem o dever de oferecer reparações totais, incluindo um pedido de desculpas, memorialização e reabilitação, aos filhos separados de pessoas afetadas pela hanseníase, em conformidade com as normas internacionais relevantes em matéria de direitos humanos.”
Testemunho
A especialista afirmou que muitas das crianças relataram ter sido abusadas em instalações estatais conhecidas como “preventórios”. Durante a sua visita ao Brasil em Maio de 2019, ela ouviu testemunhos de várias crianças separadas, que são agora adultos.
Na altura, uma das vítimas disse a Cruz que foi tirada de sua mãe “quando era bebé e enviada para o preventório.”
Quando a vítima tinha sete anos, o sapateiro que trabalhava no preventório disse que ela era uma menina bonita, por isso seria seu pai. Ela ficou feliz porque sentia muito a falta dos seus pais. O sapateiro obrigou-a então a sentar no seu colo e começou a apalpar-lhe o corpo. Ela sentiu-me desconfortável, mas o homem disse-lhe para ficar calada e cheirar cola para sapatos, o que a fez sentir tonta, e violou-a.
Ela contou à relatora da ONU que sentia que as pessoas “brincaram” com a sua vida.
Reparação
Alice Cruz contou que “o Brasil tem feito vários esforços louváveis na proteção dos direitos das pessoas afetadas pela hanseníase, mas é preciso fazer mais, especialmente no que diz respeito aos direitos dos seus filhos e filhas reparações.”
A relatora espera que a decisão do Supremo Tribunal brasileiro reconheça finalmente os direitos das vítimas enquanto estas estiverem vivas. Para ela, isso seria “um avanço importante na história sombria da hanseníase em todo o mundo.”