Revista Jurídica Cesumar – Mestrado, v. 14, n. 2, p. 557-574, jul./dez. 2014 – ISSN 1677-6402
Pedro Paulo Corino da Fonseca**
SUMÁRIO: Introdução; 1.1 O Regime de Precatórios na Constituição Federal e seus efeitos; 2 A morosidade no Adimplemento de Precatórios e as Justificativas da Fazenda Pública para não Compensar com Créditos Tributários; 3 A Possibilidade da Compensação de Precatórios para Pagamento de Tributos: uma Análise com Fundamento na Dignidade da Pessoa Humana; 4 Considerações Finais; Referências.
RESUMO: O presente texto trata da compensação de precatórios para pagamento de tributos, e tem o objetivo, a partir de uma reflexão sobre a dignidade da pessoa humana, analisar as condições possíveis dessa compensação. Para isso, por meio do método hipotético-dedutivo de revisão bibliográfica e jurisprudencial, o trabalho aborda, inicialmente, os efeitos do Regime de Precatórios na Constituição Federal e suas emendas números 30 e 62. Em um segundo momento, baseado na morosidade do adimplemento dos precatórios, elenca as justificativas da Fazenda Pública para não compensar os precatórios para pagamentos tributários. Por fim, analisa, sob o viés da dignidade da pessoa humana, as possibilidades de compensação de precatórios para pagamento de tributos. Essa formatação vem ao encontro da discussão sobre as mudanças de prioridades políticas e destinações orçamentárias que visam efetivar direitos fundamentais individuais, coletivos e sociais, questionando-se assim sobre a viabilidade do equilíbrio entre o crescimento econômico e o desenvolvimento humano no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Compensação de Tributos; Desenvolvimento Humano; Dignidade da Pessoa Humana; Precatórios.
THE POSSIBILIT Y OF COMPENSATING GOVERNMENT PAYMENT BONDS TO PAY TAXES: AN ANALYSIS FOREGROUNDED ON HUMAN DIGNIT Y
ABSTRACT: The compensation of government payment bonds for tax payments is discussed, foregrounded on the dignity of the human person. The conditions for such compensation are analyzed. The effects of the Government Payment Bonds in the Brazilian Federal Constitution and its Amendments 30 and 62 are investigated by a bibliographical and jurisprudential review. In the wake of delay in the payment, current essay lists the justifications of the Inland Revenue not to compensate government payment bonds through the payment of taxes. The essay analyzes the possibilities of compensation from the point of view of the dignity of the human person. These arguments are based on the discussion of changes in public priorities and budget aims that materialize in individual, collective and social human rights, while questioning the feasibility of equilibrium between economic growth and human development in Brazil.
KEY WORDS: Compensation of Taxes; Human Development; Dignity of the Human Person; Government payment bonds.
LAS POSIBILIDADES DE COMPENSACIÓN DE ROGATORIOS PARA EL PAGO DE TRIBUTOS: UN ANÁLISIS FUNDAMENTADO EN LA DIGNIDAD HUMANA
RESUMEN: El presente texto trata de la compensación de rogatorios para el pago de tributos y busca, a partir de una reflexión sobre la dignidad de la persona humana, analizar las condiciones posibles de esa compensación. Para ello, por medio del método hipotético-deductivo de la revisión bibliográfica y jurisprudencial, el trabajo aborda, inicialmente, los efectos del Régimen de Rogatorios en la Constitución Federal y sus emendas n. 30 y 62. Enseguida, basado en la morosidad dela adimplemento de los rogatorios, presenta las justificativas de la Fazenda Pública para no compensar los rogatorios para pagos tributarios. Por fin, analiza, desde la perspectiva de la dignidad humana, las posibilidades de compensación de rogatorios para pago de tributos. Esa propuesta acrece la discusión sobre los cambios de prioridades políticas y destinaciones presupuestarias que buscan concretar los derechos fundamentales individuales, colectivos y sociales, cuestionándose así sobre la viabilidad del equilibrio entre el crecimiento económico y el desarrollo humano en Brasil.
PALABRAS-CLAVE: Compensación de Tributos; Desarrollo Humano; Dignidad de la Persona Humana; Rogatorios.
INTRODUÇÃO
A batalha entre os poderes Judiciário, Executivo e Legislativo tem se destacado no que diz respeito ao pagamento de precatórios. Historicamente os precatórios foram acolhidos na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 no Ato das Disposições Transitórias em seu Artigo 33 e na parte permanente no Artigo 200. Os seus requisitos, regimes e demais regras foram estabelecidos no Artigo 100 e emendas nº 30 e 62. Este Instituto Jurídico foi criado para organizar os débitos do orçamento público, ou seja, quando se tem uma decisão judicial que transitou em julgado contra a Fazenda Pública, a ordem de pagamento é feita por meio de precatório. Desse modo, o Poder Público sofrerá uma execução com obrigação de pagar, registrar e dar vista no orçamento e consoante com as disposições e os requisitos estabelecidos no Artigo 100 da Constituição Federal de 1988.
A Fazenda Pública, por sua vez, estará obrigada a incluir no orçamento do ano seguinte valor suficiente para arcar com suas dívidas – ou seja, deverá incluir neste cálculo a totalidade dos requisitórios de precatórios daquele período anterior.
Ocorre que há um entrave ao pagamento dos precatórios no qual o poder executivo justifica a morosidade do pagamento de suas dívidas para com seus credores. Uma das justificativas é a impossibilidade de pagamento por Estados e Municípios e a inexistência de soluções na medida da possibilidade circunstancial dos devedores.
Por isso a problemática dos precatórios surgiu em torno da inadimplência do Poder Público. A ocorrência é antiga, mas alcançou patamares absurdos nos últimos anos, principalmente após a Emenda Constitucional nº 30 de 2000. Este drama é enfrentado por milhares de credores brasileiros, mormente no caso dos precatórios alimentares, de diversas esferas do Poder Público – e, por ironia, dos entes mais ricos da federação, como o governo do Estado de São Paulo e os municípios de São Paulo.
Para tanto esse trabalho procura analisar formas do Estado saldar, pelo menos em parte de suas dívidas com seus credores, investigando assim, as justificativas da Fazenda Pública para a morosidade no pagamento dos precatórios, bem como uma das possíveis formas de adimplemento: a compensação de precatório para pagamento de tributos com fundamento na dignidade da pessoa humana e no equilíbrio do crescimento econômico e desenvolvimento humano.
1.1 O REGIME DE PRECATÓRIOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SEUS EFEITOS
O sistema de precatórios, nos termos do Artigo 100 da CF/88, repetiu o que era praticado na Constituição anterior. Por ocasião de uma sentença contra a Fazenda Pública, o pagamento deve ser feito pela ordem cronológica de apresentação do precatório e à conta dos respectivos créditos. Assim, os precatórios requisitados até 1º de julho de um ano seriam pagos até o final do exercício orçamentário do seguinte. Nos termos originais da CF/88, já era obrigatório para as entidades públicas incluir em seu orçamento verba suficiente para quitar suas dívidas de precatórios apresentados até aquela data (Artigo 100, § 1º). Nesse sentido, o grande garantidor do pagamento desses valores era o orçamento dos entes federados, que deveriam prever verbas para tal finalidade.
De maneira simultânea ao sistema constitucional de precatórios promulgado em 1988, surgiu, no Artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT ), a primeira prorrogação do pagamento para os pendentes em 1988 – que seriam pagos em oito prestações anuais, ressalvados os de caráter alimentar.
Com a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, foi acrescido o § 3º ao caput do Artigo 100, instituindo-se que o regime de expedição de precatórios não se aplicaria às obrigações definidas em lei como de “pequeno valor”. Em seguida, com o advento da Lei nº 10.259/01 (Lei dos Juizados Especiais da Justiça Federal), ficou estabelecido que créditos de pequeno valor para a União seriam aqueles iguais ou inferiores a 60 salários mínimos. Com a Emenda Constitucional nº 37/02 foi definido que, para efeito de dispensa da expedição do precatório, os débitos deveriam atingir no máximo 30 salários mínimos no caso dos municípios, podendo alcançar 40 salários mínimos no caso dos Estados. Nos termos do Artigo 100, § 4º, da Emenda Constitucional nº 62/09, os valores, apesar de distintos para as entidades de direito público, devem obedecer ao mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral da previdência social.
É relevante para nosso estudo notar que, com o advento da Emenda Constitucional nº 30/00, surgiu outro parcelamento compulsório para os precatórios pendentes. Nos termos do Artigo 78 do ADCT: “Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos”. Portanto, não excetuados e precatórios pendentes na data de promulgação da Emenda e os que decorriam de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, foram sendo pagos em prestações anuais no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão do crédito. Tais prestações ainda estariam sob a égide do Artigo 78, § 2º, no ADCT, bem como do § 4º, que admitiu a hipótese de sequestro para o caso do inadimplemento destas parcelas.
Constata-se, com a EC nº 30/00 e o acréscimo do artigo 78, § 2º e § 4º, houve suposta mudança do panorama da ordem de preferência dos precatórios alimentares. O parcelamento dos créditos em dez anos restringiu-se aos não- alimentares, devendo os alimentares, por óbvio, serem quitados à vista, já que desde a origem constitucional do sistema de precatórios existia o regime de preferência dos alimentares. Além disso, cumpre observar que não foram incluídos neste parcelamento apenas (1) os de pequeno valor, que a exemplo dos alimentares deveriam ser pagos também à vista, (2) os do Artigo 33 do ADCT, que em tese já deveriam ter sido pagos, haja vista que o período de parcelamento esgotara-se em 1996, e (3) os que tinham seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo no momento da publicação da emenda e que obviamente já estavam resolvidos, razão pela qual não necessitavam de novo parcelamento. Dessa forma, com o advento da EC nº 30, a preferência dos precatórios alimentícios estaria em tese mantida, razão por que foram excluídos do parcelamento dos não-alimentares, devendo ser quitados à vista.
Observe-se, todavia, que alinhado ao novo parcelamento instituiu-se o direito de sequestro e o poder liberatório para os casos de inadimplência dos não- alimentares, contribuindo tais instrumentos para o aumento da inadimplência dos alimentares e a criação de uma grande arma à disposição dos chamados precatórios não-alimentares – o que na prática inverteria a ordem de preferência.
Desse modo, a partir da EC nº 30/00, caso os entes federados não cumprissem suas obrigações quanto às parcelas, poderiam sofrer sequestro de verbas ou compensação de tributos. Com esta forma de coerção ao Poder Público, o pagamento dos precatórios não-alimentares aos poucos foi sendo colocado em dia – inclusive em estados tradicionalmente maus pagadores –, mas o alívio para estes credores tornou-se uma maldição para os supostamente preferenciais.
Em 2009, o procurador-geral do Estado de São Paulo à época, Marcos Nusdeo, em entrevista ao Conjur, evidenciou tal prática ao afirmar: “O governo tem um orçamento anual para pagar os credores. Pela EC 30, se não pagar parcela dos precatórios não-alimentares, há possibilidade de sequestro do valor dos cofres públicos. Então eles são pagos em dia. Como o governo está comprometido com a parcela dos não-alimentares, que é alta, sobra pouco para os alimentares, pagos em ritmo mais lento. A única alternativa possível para mudar este quadro é a aprovação pelo Congresso Nacional de outra emenda constitucional para mudar isso. Não há nada a fazer se não for assim porque a regra vem justamente com uma emenda. […] A dívida do estado chega a R$ 16 bilhões, sendo que R$ 12 bilhões são referentes a precatórios alimentares. Hoje em dia é mais fácil ser credor de precatório não- alimentar do que de alimentar. As pessoas não acreditam quando eu digo isso, mas a EC 30 assim o fez”1.
Esta emenda também criou as chamadas Obrigações de Pequeno Valor, que são pequenos precatórios, principalmente de servidores, de até R$ 17,9 mil em 2009. A cada ano aumenta o número de OPVs. Em 2012 foram pagos R$ 283 milhões em OPVs. A Emenda Constitucional 30 cuidou do passado ao parcelar os precatórios não-alimentares. Também resolveu um problema de fluxo porque, de lá para cá, esses valores pequenos, que dão origem a OPVs, devem ser pagos em 90 dias, independente de previsão orçamentária. No entanto, não resolveu o problema de estoque de alimentares, já que muitos não foram atingidos pelas Obrigações de Pequeno Valor”. Frise-se que, conforme Nusdeo, dos aproximadamente R$ 2 bilhões pagos em 2008, menos de 11% destinaram-se aos chamados precatórios preferenciais; as OPVs, que também devem ser pagas em até noventa dias, ficaram com pouco mais de 14%; o restante (75%) foi destinado aos não-alimentares, que possuíam a garantia do direito de sequestro.
Mas as distorções fáticas e normativas não pararam na EC nº 30/00. A Emenda Constitucional nº 62, de 2009, por sua vez, trouxe mais mudanças ao regime de precatórios e passou a ser conhecida como novo calote público, além de gerar novas ADIn’s, que serão trabalhadas mais adiante. Com repercussão direta para os alimentícios, convém observar atentamente o Artigo 6º da referida EC, que prescreve a convalidação de todas as compensações de precatórios com tributos vencidos até 31 de outubro de 2009, realizadas antes da promulgação desta Emenda Constitucional.
Não há exagero em afirmar que os credores alimentícios foram novamente injustiçados, posto que excluídos da possibilidade de compensação dos tributos. Fernando Scaff comenta o referido dispositivo da EC 62: “Não faltará quem enxergue nestas restrições uma perversidade, com o que concordarei. […]2 O afastamento dos alimentícios se deu em razão do pressuposto de que sempre seriam pagos antes dos demais. Ocorre que este pressuposto se revelou falso na prática, uma vez que os atrasos se sucederam e esta classe de precatório permanece no fim da fila de recebimento. É um típico caso em que se evidencia a diferença usualmente exposta pela doutrina norte-americana entre law in books e law in practice. O que era para ser um privilégio se revelou um malefício”3.
Não padecem dúvidas sobre a má conduta do Estado após a EC nº 30/00 e com a aprovação da EC nº 62/09, que subverteu o direito de preferência dos credores dos precatórios alimentares, criando um discrímen não justificável do ponto de vista constitucional, agora acolhido na forma fria do texto reformador, que não se ateve às inconstitucionalidades praticadas pelos governos que descumpriram o direito de preferência dos créditos alimentícios. É oportuno o exemplo do Estado de São Paulo, que com seu posicionamento inconstitucional acarreta danos irreparáveis, de ordem material e moral, àqueles que aguardam o recebimento dos valores que lhes são devidos.
2 A MOROSIDADE NO ADIMPLEMENTO DE PRECATÓRIOS E AS JUSTIFICATI- VAS DA FAZENDA PÚBLICA PARA NÃO COMPENSAR COM CRÉDITOS TRIBU- TÁRIOS
Para trabalhar as justificativas da Fazenda Pública em relação à morosidade no pagamento dos precatórios deve-se também a analisar as decisões judiciais recentes. Para isso conta-se com uma decisão recente da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, bem como um acórdão do Tribunal de Justiça do mesmo Estado.
Os pedidos administrativos de compensação tributária protocolados na Fazenda Pública do Estado de São Paulo obtém basicamente a mesma resposta, que abarcam duas justificativas. A primeira justificativa será analisada em seguida e a segunda mais adiante no texto. Vejamos:
Justificativa nº 1: […] 8. Quanto ao art. 78 do ADCT, deve-se destacar que os precatórios dos quais a recorrente é cessionária têm natureza alimentícia. E o §2º do art. 78 do ADCT confere poder liberatório do pagamento de tributos às prestações anuais “a que se refere o caput”, enquanto o caput ressalva expressamente, entre outros, os créditos de natureza alimentícia. Assim, os créditos desta natureza estão ex- pressamente excluídos da sistemática do art. 78.
Justificativa nº 2: […] 6. Fica prejudicada a solicitação de suspensão de exigibilidade do crédito tributário conforme artigo 151, III do CTN, já que o dispositivo invocado exige que seja nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo. 7. No Estado de São Paulo, a norma referente ao processo tributário administrativo está contida na lei 13.457/09. Contudo, tal diploma legal trata apenas do “processo administrativo tributário decorrente de lançamento de ofício”, ou seja, não se aplica ao caso em tela. Assim sendo, tendo em vista o Princípio da Legalidade, que preceitua à Administração Públi- ca apenas o que a lei autoriza, não se deve aplicar a suspensão de exigibilidade do crédito tributário por absoluta carência de previsão legal. […] 9. Afastada a aplicação do §2º do art. 78 do ADCT a este caso, é forçoso concluir que estamos diante de um pedido de com- pensação, que, nos moldes do art. 170 do CTN, só pode ser autori- zado mediante lei. E justamente por existir tal exigência é que essa Secretaria entende que está impedida de efetivar a pretendida com- pensação uma vez que, no âmbito paulista, a Lei nº 10.339/99, que tratava do assunto, foi editada por prazo certo e perdeu sua vigên- cia. […] 12. Assim, apesar de a requerente alegar a possibilidade de compensação nos moldes dos artigos 156, II e 170 do CTN, deve-se destacar que, enquanto o art. 156, II, apenas arrola a compensação quanto à facultatividade da lei em conceder compensação de crédi- tos tributários: “Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autorida- de administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.” […] 13. Ou seja, na expressão “a lei pode”, o art. 170 do CTN permite duas funções: (1) é uma nor- ma mediata, pois trata da forma como deve ser criada outra norma. Assim sendo, não é autoaplicável, já que é direcionada ao legislador e não ao administrador público e prescreve como o legislador deve proceder ao criar norma superveniente sobre a compensação; (2) faculta, não obriga, o legislador a criar lei que trate de compensação; isto é, compensação pode, ou não, ser normatizada, ao nuto do legis- lador, e não à Administração Publica, não havendo caráter vinculado a ser observado. (Processo SF nº 51175-242780/2013 – Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda – Coordenadoria da Administração Tributária – Diretoria Executiva da Administração Tributária – Dele- gacia Regional Tributária do ABCD – DRT/12)
Após as duas instâncias administrativas negarem o pedido, a única saída jurídica ao credor foi a propositura de ação judicial. No caso judicial apresentado trata-se de empresa (indústria) especializada em produção e venda de peças em aço, que impetrou Mandado de Segurança contra o Diretor-Adjunto da Diretoria Executiva da Administração Tributária do Estado de São Paulo com o objetivo de suspender a exigibilidade de crédito de ICMS no total de R$ 105.767,31, referente ao mês de maio de 2011.
Para tanto, oferece um crédito que detém perante a Fazenda Pública do Estado de São Paulo no total de R$ 110.487,34, representado pelo precatório nº 18/00, adquirido por meio de escritura pública de cessão. Fundamenta seu pedido nos artigos 151, II e IV do Código Tributário Nacional.
A ordem foi denegada e, no tempo hábil, a empresa ingressou com a devida apelação. Esta foi recebida apenas no efeito devolutivo. Diante deste cenário, o impetrante ingressou com Medida Cautelar Inominada, objetivando deferimento de liminar para aplicar, também, o efeito suspensivo na apelação. Vejamos a ementa:
MEDIDA CAUTELAR INOMINADA. Mandado de segurança. Sentença de denegação da segurança. Decisão que recebeu o recurso de ape- lação da autora tão somente no efeito devolutivo. ICMS. Pretensa compensação de débitos de ICMS com créditos plasmados em pre- catórios de natureza alimentar, vencidos e não pagos, por meio de escrituras de cessão de direitos. Inadmissibilidade. Aplicabilidade ao caso do artigo 2º- B da Lei nº 9.494/97 e artigo 7º §§ 2º e 5º da Lei nº 12.016/09. Suspensão da exigibilidade do crédito, tributário ou não, que, por sua vez, reclama o depósito integral e em dinheiro do montante discutido. Incidência da Súmula nº 112 do C. STJ ao caso. Caso de precatórios chamados de caráter ‘alimentar’. Por difícil de acreditar, na barafunda legislativa sobre o tema, e na recalcitrância da Fazenda Pública em fazer o que qualquer cidadão honesto faz honrar seus compromissos, tais créditos ficam com menores garantias que os chamados ‘não alimentares’. Ainda assim, por tratar-se de tema afeto ao legislador e não ao juiz, em princípio, nega-se provimen- to ao pedido, conquanto se reconheça sua aparente juridicidade. O Estado de São Paulo faz pior que demais unidades da Federação e da União, eis que está mais atrasado na exação de seu dever e pagar que os demais e aproveita-se do que alguma corrente de constitucio- nalistas chama de ‘poder constituinte reformador’ para, inconstitu-cionalmente, protrair seus débitos com moratórias inconstitucionais. Seguramente, recursos para criação de cargos de provimento em co- missão e para publicidade não faltam. O exemplo dado pelo poder público paulista para a formação dos valores nas novas gerações não é edificante. Decisão mantida. Jurisprudência unânime desta Corte em casos símiles. Pedido da autora improcedente, julgando extinto o processo com resolução do mérito nos termos do art. 269, inciso I c.c. art. 285-A do CPC.
Vale ressaltar o exposto pela sentença de primeiro grau:
Ainda que se fale em compensação de tributo, liberação de pagamen- to e mesmo suspensão da exigibilidade, fato é que se trata de idênti- ca realidade, de modo que entendo ser caso de julgamento direto da lide, na medida em que a causa cuida exclusivamente de interpreta- ção do direito posto aplicável, e especialmente porque há casos ante- riores já decididos pelo Juízo constatando a carência absoluta de ra- zão, com destaque aos processos autos 0042143-59.2011.8.26.0053, possibilitando-se, portanto, a imediata aplicação do artigo 285-A, do Código de Processo Civil.
Previsto no artigo 100 da Constituição, o Regime de Precatórios, como já abordado, é a forma de os cidadãos receberem seus pagamentos do Estado por meio de decisões judiciais transitadas em julgado contra este. O modo de pagamento dos precatórios foi substancialmente reformulado pela introdução da Emenda Constitucional nº 62 de 2009, que alterou praticamente todo o artigo 100 da Constituição, e ainda inseriu o artigo 97 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Com os noveis4 parágrafos 16 e 18, respectivamente, criava um regime especial para pagamentos.
Em virtude das polêmicas regras inseridas, em foco o artigo 97 do ADCT, a EC 62/09 ficou conhecida como a “emenda do calote”, conforme já citado. Ela criou um parcelamento de até 15 (quinze) anos da dívida pública destes precatórios, e ainda permitiu a vinculação deste pagamento ao depósito de um valor irrisório (um percentual que variava de 1% a 2% da Receita Corrente Líquida apurada) em uma conta especial. Por fim, previu um “leilão” para o recebimento de precatórios, que permitiria a redução drástica do valor a receber pelo credor e a depreciação das decisões judiciais.
Ocorre que, no mês de março de 2013, o Supremo Tribunal Federal julgou5 as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4357 e 4425. Nestes julgamentos, declarou inconstitucional todo o artigo 97 do ADCT, extinguindo assim o regime especial para os pagamentos dos precatórios, passando a vigorar tão somente as regras do antigo artigo 100 e, ainda assim, com ressalvas:
2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precató- rio, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresenta- ção do precatório.
O STF declarou inconstitucional a expressão “na data de expedição do precatório” ao entender que a conferência da idade para justificar a preferência deve ocorrer no momento do pagamento, pois pessoas com 60 anos incompletos – ou seja, fora do regime preferencial – acabariam, pela demora do pagamento, terem bem mais de 60 anos no momento que o precatório fosse realmente pago.
9º No momento da expedição dos precatórios, independentemen- te de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compen- sação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pelaFazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcela- mentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtu- de de contestação administrativa ou judicial.
10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fa- zenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débi- tos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos.
Os parágrafos 9º e 10º também foram julgados inconstitucionais pelo STF, fundamentado pelo princípio da isonomia, tendo em vista que forçavam uma compensação compulsória do montante que o cidadão deveria receber com aquilo que o cidadão devia para o Estado. Um modo de impedir que o cidadão recebesse quaisquer valores antes de quitar dívidas com a Fazenda Pública.
Ocorre que, dos parágrafos, não constou qualquer compensação compulsória no sentido inverso, da Fazenda Pública com o cidadão. Assim sendo, o Supremo entendeu que tal compensação, se houvesse, deveria ser bilateral, sob pena de verdadeiro confisco.
12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atu- alização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efeti- vo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mes- mo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.
Foi também declarada inconstitucional a expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”. Isso se deu pela correção da inflação ser superior aos juros pagos pelas cadernetas de poupança. Assim, no momento da decisão, caberá ao juiz arbitrar o índice de correção de forma que melhor entender ou nova definição legal, como feito pelo governo recentemente.
Por fim, nota-se que o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedentes as ações nos termos do voto do relator, ministro Ayres Britto, acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Celso de Mello e o presidente, Joaquim Barbosa. Entretanto os ministros Marco Aurélio e, por outro lado, Ricardo Lewandowski, votaram pela procedência das ADIs, em menor extensão. Votaram pela total improcedência os ministros Gilmar Mendes, Teori Zavascki e Dias Toffoli.
Infere-se que, mesmo com as modulações dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade a serem propostas pelo Supremo Tribunal Federal, a manutenção do artigo 100 alterado pela Emenda Constitucional nº 30/2000 – com as modificações já apontadas – é certa. Portanto, a partir desta premissa, e dos posicionamentos fazendários e judiciais acima expostos, tomados como parâmetros, é que discorreremos a respeito da nossa problemática.
Em relação à justificativa de número um, conforme indicamos, sabe-se explicitamente a razão de a Fazenda se agarrar tão fortemente na letra fria da lei. Toda norma jurídica elaborada possui no seu âmago de criação e existência um motivação, um objetivo, um porquê de ter sido criada. A sua razão de existir. Não é algo aleatório, sem sentido. A norma jurídica separa-se da vontade do legislador após sua promulgação, mas não antes.
A partir daí, qual o objetivo do legislador ao permitir a compensação com tributos quando no §2º c/c o caput6 do artigo 78 e no do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT ) excepcionou algumas categorias de precatórios?
Evidentemente, no caso de créditos de natureza alimentícia, para que não percam sua característica principal, que é a reposição de valores que compõe necessidade básica do ser humano. Essa sim é a principal característica de um valor, quando considerado juridicamente como alimentar.
Essa esteira, o próprio texto constitucional aponta para as ações7 que originam créditos desta natureza: “§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”.
Percebe-se que a natureza alimentar dos precatórios, somada ao seu adimplemento, contribui não apenas para o crescimento econômico, mas principalmente para o desenvolvimento humano, seguindo o conceito de um “processo de ampliação das escolhas das pessoas para que elas tenham capacidades e oportunidades para serem aquilo que desejam”, ou seja, “para aferir o avanço na qualidade de vida de uma população é preciso ir além do viés puramente econômico e considerar outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana” (PNUD). E a qualidade de vida está diretamente relacionada à dignidade da pessoa humana, pois as necessidades básicas do ser humano partem das verbas de natureza alimentar, como o salário e benefícios previdenciários.
Portanto, pergunta-se: o caráter alimentar é mantido quando o pagamento de uma verba alimentar é cumprido depois de dez anos? Após esse período o precatório ainda tem caráter essencial para a sobrevivência? Qual a contribuição para o desenvolvimento humano?
3 A POSSIBILIDADE DA COMPENSAÇÃO DE PRECATÓRIOS PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS: UMA ANÁLISE COM FUNDAMENTO NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Para responder se as justificativas da Fazenda Pública pela morosidade nos pagamentos de precatórios e a não compensação tributária, é fundamental o estudo sobre a dignidade da pessoa humana.
Quando fala-se em respeito à dignidade da pessoa humana, se afirma o indispensável respeito a uma existência digna do ser humano. Quer figurem em relação de Direito Público (quod ad statum rei Romanae spectat) como de Direito Privado (quod ad singulorum utilitatem pertinet), os direitos fundamentais e os direitos humanos caminham juntos na defesa intransigente da dignidade da pessoa humana.
Em que pese ser direito fundamental do ser humano, o direito aos alimentos, a partir do momento em que o Estado descumpre uma diretriz basilar e demora longo tempo para efetuar o pagamento já certo e definitivo, acaba por destruir o caráter alimentar desse valor. Ou seja: sem sanção alguma, o Estado descumpre um direito humano fundamental.
E qual a consequência dessa atitude para o credor? A resposta estatal de que não se pode compensar precatório “alimentar” com tributo, por se tratar de exceção prevista em lei.
O credor observa o precatório desconectado do caráter “alimentar”, ou seja, com a postergação do Estado em cumprir seus precatórios tem-se um caráter “pseudo-alimentar”. Sendo que o crédito de natureza alimentar é essencial ao ser humano, pois possui características formadoras da dignidade da pessoa humana. Apesar disso, possui menos garantias do que um precatório não-alimentar.
Podemos afirmar novamente que é melhor possuir um precatório não- alimentar ( já que neste é possível haver compensação tributária) do que um precatório alimentar. Quando tratamos da proteção da dignidade do ser humano, não podemos admitir tergiversação. A dignidade do ser humano exige proteção máxima, inegociável.
Perde-se a intenção da norma que, quando excepcionou o precatório alimentar da compensação, imaginou que um valor de tão grande importância não poderia se tornar moeda de troca com tributos. Mas isso se suas características fossem mantidas.
Em relação à segunda justificativa, vejamos três artigos que são utilizados para denegar o pedido de suspensão de exigibilidade do débito, e de compensação dos precatórios com tributos: 156, incisos II e III, e o artigo 170, todos do Código Tributário Nacional.
Utilizando-se as próprias palavras da sentença judicial, “ainda que se fale em compensação de tributo, liberação de pagamento e mesmo suspensão da exigibilidade, fato é que se trata de idêntica realidade.” Portanto, se se trata de mesma realidade, podemos dar a mesma resposta.
Na ceara processual, passados quase vinte e cinco anos da promulgação da Constituição de 1988, o único remédio constitucional que ainda carece de regulamentação legal é o mandado de injunção8.
Conforme José Afonso da Silva9, a função do mandado de injunção é “fazer com que a norma constitucional seja aplicada em favor do impetrante, independentemente de regulamentação, e exatamente porque não foi regulamentada”.
Apesar de inicialmente o STF ter adotado a posição não concretista, esse entendimento, atualmente, está totalmente superado. Conforme bem definiu a Min. Carmen Lúcia, no julgamento de vários MI´s (MI 828/DF, MI 841/DF, MI 850/DF, MI 857/DF, MI 879/DF, MI 905/DF, MI 927/DF, MI 938/DF, MI 962/DF, MI 998/DF), “o mandado de injunção é ação constitucional de natureza mandamental, destinada a integrar a regra constitucional ressentida, em sua eficácia, pela ausência de norma que assegure a ela o vigor pleno”.
A única conclusão que se chega é que o mandado de injunção é ação constitucional de natureza mandamental. Qualquer outro entendimento geraria um sentimento de frustração e desprestígio aos direitos fundamentais, reduzindo a importante conquista do mandado de injunção a algo sem sentido.
Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo têm plena competência para conhecer e julgar mandados de injunção. O que diferencia uma competência de outra é apenas o órgão legislativo que pode sanar a omissão legislativa. Vejamos a Constituição Federal de 1988:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, origina- riamente: q) o mandado de injunção, quando a elaboração da nor- ma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal.
Já a Constituição Estadual do Estado de São Paulo:
Artigo 74 – Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições pre- vistas nesta Constituição, processar e julgar originariamente: V – os mandados de injunção, quando a inexistência de norma regulamen- tadora estadual ou municipal, de qualquer dos Poderes, inclusive da Administração indireta, torne inviável o exercício de direitos assegu- rados nesta Constituição.
Fica claro que a resposta da Fazenda do Estado de São Paulo e do Poder Judiciário é em relação à inexistência de lei regulamentando a compensação, com base no artigo 170, caput, do Código Tributário Nacional.
Assim sendo, evidentemente se conclui que a solução jurídica se encontra no remédio constitucional do mandado de injunção10, tal qual ocorreu com o direito de greve dos servidores públicos, e paradigmático voto do E. Ministro do Supremo Federal Eros Grau, que serviu de base para o acórdão do processo MI nº 712/PA, julgado em 25 de outubro de 2007.
Neste julgamento, entendeu-se que o Poder Judiciário não pode ficar inerte quando for confrontado com esse tipo de situação. Não só pelo fato da omissão legislativa não permitir o exercício de um direito constitucional, mas também pelo princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, na proteção contra lesão ou ameaça a lesão a direito, garantia fundamental esculpida no art. 5º XXXV da CF.
Com o ingresso do mandado de injunção, fundamentado em omissão legislativa estadual ( pois, insistimos, é o que alegam os Poderes Executivo e Judiciário), não há como não haver decisão a respeito do tema. Haverá, necessariamente, decisão a respeito do mérito desta causa.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da inadimplência contumaz de grande parte dos Estados, Municípios e DF, o orçamento público revelou-se insuficiente para garantir os pagamentos devidos. Por outro lado, o direito de sequestro introduzido pela EC nº 30/00 para as parcelas dos precatórios não-alimentares mostrou-se extremamente eficaz para a garantia destes créditos.
No âmbito do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana materializa-se no reconhecimento dos direitos fundamentais, a fim de assegurar o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, bem como auxiliar no desenvolvimento humano.
Neste sentido, o princípio do Estado Democrático de Direito impõe aos entes públicos direitos, mas também deveres. Deste modo, estão sob o império da lei, devendo obedecê-la, em especial no caso da Constituição Federal. Portanto, não se justifica a constante violação da CF em relação aos precatórios, principalmente em razão do direito de preferência que deveriam gozar os créditos alimentícios desde o texto original de 1988.
Assim, diante do texto constitucional e das premissas equivocadas de que partiram a EC nº 30/00 e a EC nº 62/09, bem como do pagamento efetuado pelos entes federados, e ainda da inércia do legislativo quanto à compensação de precatórios para pagamento de tributos, necessário se faz que o judiciário alargue de maneira erga omnes os já citados dispositivos constitucionais, de modo a corrigir os equívocos, compatibilizando-os principalmente com o direito de preferência de que gozam os precatórios alimentares em nossa CF, bem como a possibilidade de compensar o precatório por pagamento tributário.
- 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fa- zenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débi- tos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos.
NOTAS
* Advogado; Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUCSP. E-mail: vladmir@aus.com.br
** Advogado; Mestre e Doutorando em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP; Docente de Direito Internacional e Direito Empresarial.
1 NUSDEO, Marcos Fábio de Oliveira. Só mudança na CF resolverá o problema dos precatórios. Entrevista concedida a Aline Pinheiro e Lilian Matsuura. São Paulo: Conjur, 2009. Disponível em: <http://www.conjur. com.br/2009-mar-29/entrevista-marcos-nudeso-procurador-geral-estado-sao-paulo>. Acesso em: 06 fev. 2011
2 SCAFF, Fernando Facury. O uso de precatórios para pagamento de tributos após a EC 62. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 175, 2010
3 Ibidem, 2010, p. 9-10
4 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc62.htm
5 “Decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Luiz Fux rejeitando a alegação de in- constitucionalidade do § 2º do artigo 100 da Constituição Federal; declarando inconstitucionais os §§ 9º e 10 do artigo 100; declarando inconstitucional a expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança,” constante do § 12 do artigo 100, bem como dando interpretação conforme ao referido dispositivo para que os mesmos critérios de fixação de juros moratórios prevaleçam para devedores públicos e privados nos limites da natureza de cada relação jurídica analisada; declarando a inconstitucionalidade, em parte, por arrastamento, do art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009; e acolhendo as impugnações para declarar a inconstitucionalidade do § 15 do artigo 100 e do artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias introduzidos pela EC 62/2009, o julgamento foi sus- penso. Ausente o Senhor Ministro Gilmar Mendes, em viagem oficial para participar da 94ª Sessão Plenária da Comissão Européia para a Democracia pelo Direito, em Veneza, Itália. Presidência do Ministro Joaquim Barbosa. Plenário, 07.03.2013.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL). “Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Ministro Luiz Fux concluiu seu voto declarando a inconstitucionalidade do § 15 do art. 100 e do art. 97 do ADCT. O Ministro Teori Zavascki votou no sentido da improcedência da ação. O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada pelo Ministro Marco Aurélio no sentido de serem apreciadas em primeiro lugar as impug- nações ao art. 100 da Constituição Federal, vencidos os Ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Presidente. Em seguida, o Tribunal julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da expressão “na data de expedição do precatório”, contida no § 2º; os §§ 9º e 10; e das expressões “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” e “independentemente de sua natureza”, constantes do § 12, todos dispositivos do art. 100 da CF, com a redação dada pela EC nº 62/2009, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Teori Zavascki e Dias Toffoli. Votou o Presidente, Ministro Joaquim Barbosa. Em seguida, o julgamento foi suspenso. Plenário, 13.03.2013.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)
6 “Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. […] § 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.” Inclusive, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias pertencente
7 Perceba-se que todos estes processos possuem um ponto em comum; um ponto de intersecção: o trabalho. A sobsistência é um dos direitos fundamentais da pessoa humana, e para tanto o meio comum e adequado de alcançar esse objetivo é o trabalho.
8 Art. 5º da Constituição Federal: LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regu- lamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
9 SILVA, José A. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 450
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/ Emc/emc62.htm>. Acesso em: 23 jan. 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/ principal/principal.asp>. Acesso em: 23 jan. 2014.
NUSDEO, Marcos Fábio de Oliveira. Só mudança na CF resolverá o problema dos precatórios. Entrevista concedida a Aline Pinheiro e Lilian Matsuura. São Paulo: Conjur, 2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-mar-29/entrevista- marcos-nudeso-procurador-geral-estado-sao-paulo>. Acesso em: 06 fev. 2011.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). O que é o desenvolvimento humano. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/IDH/ DesenvolvimentoHumano.aspx?indiceAccordion=0&li=li_DH>. Acesso em: 24 jan. 2014.
SCAFF, Fernando Facury. O uso de precatórios para pagamento de tributos após a
EC 62. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 175, 2010.
SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DA FAZENDA. Coordenadoria da Administração Tributária. Diretoria Executiva da Administração Tributária. Delegacia Regional Tributária do ABCD. Processo nº 51175-242780/2013.
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