Autor: Vladmir Silveira

Revista Autônoma de Direito Privado –  Curitiba – Jurua Editora – 2006

Sumário: 1. introdução – 2. 0 prinpio da autonomia da vontade e a cláusula rebus sic stantibus coma formadores dos contratos internacionais – 3. A cláusula de hardship – 4. A cláusula de hardship e a cláusula de força maior – 5. Equilíbrio 11os contratos internacionais – a importância das cláusula de hardship – 6.Conclusão – 7. Referências.

Introdução

Num exiguo lapso de tempo, tem-se experimentado uma vertiginosa internacionalização das relações sociais, fruto do desenvolvimento acelerado dos meios de comunicação, de uma realidade concorrencial cada vez mais intensa, exigências de consumo mais complexas e a consequente interligação entre empresas de vários países, em busca de um número maior de mercado consumidor. Desta nova realidade mundial, fortaleceu-se o comércio internacional e, consequentemente, uma nova estrutura jurídica que atenda as suas específicas necessidades.

O desenvolvimento do comércio internacional, fundado sobretudo na relação contratual entre pessoas, públicas ou privadas, de diferentes Estados trouxe consigo a polêmica entre regimentos jurídicos diferentes, o conflito entre as leis locais que regem cada uma das partes contratantes, criando verdadeiro impasse quando da elaboração do contrato ou mesmo quando da sua inexecução, Deste embate nasce o direito do comércio internacional, que tem como princípio regente a Autonomia da Vontade e como objetivo precípuo organizar as relações contratuais no âmbito internacional.

Intensificando a problemática da ausência de normas que regem as relações internacionais, tem-se a constante transformação do mercado internacional, que por sua própria natureza global é afetado pela mais singela manifestação dos países, mesmo que eles nao sejam parte de uma relação  específica. Em outras palavras, a relação entre duas partes nao se restringe tão-somente à realidade que diretamente lhes envolva, de maneira que fatalidades ocorridas num outro país podem vir a gerar a própria inexecução de um contrato, tornando impossível seu cumprimento.

As constantes mutação da realidade internacional, a suscetibilidade dos contratos internacionais a tais transformações e a usual extensa duração de tats contratos, geram uma atmosfera de incertezas e evidente preocupação com os obstáculos que possam surgir e criar dificuldades na execução do contrato, cuja complexidade pode aumentar radicalmente em face do conflito de leis entre as partes contratantes.

Nesse contexto, o contrato internacional foi se moldando, ao longo do tempo, para  que se tornasse um instrumento seguro, protegendo as relações internacionais das constantes mutações que as cercam. Mister destacar que a intenção é possibilitar as partes a efetiva execução da obrigacao e a manutenção do equilíbrio contratual, mesmo quando o contrato se prolongar por extenso período de tempo.

Uma das técnicas utilizadas para alcançar estes objetivos foi a aplicação de cláusulas revisionais e exoneratórias de responsabilidade, que possibilitam as partes contratantes reavaliar as obrigações contraídas e suas condições de execução, na ocorrência de fatos que modifiquem substancialmente as circunstâncias iniciais do contrato, alterando o seu equilíbrio de forma que o cumprimento se tome impossível ou extremamente oneroso. O presente estudo tem como objeto uma dessas cláusulas: a de hardship, cláusula revisional fundada na onerosidade patrimonial excessiva.

A cláusula de hardship e permeada de controvérsias, que se iniciam já em sua origem, prolongam-se na sua relação com o secular princípio do pacta sunt servanda e desemboca na sua estruturação prática no contrato, tornando seu estudo incontestavelmente importante e complexo.

Nesse trabalho, busca-se traçar o perfil da cláusula de hardship, desde sua origem e daí a importância de breves apontamentos sobre a cláusula  rebus sic stantibus, Teoria da Imprevisão e demais instrumentos jurídicos que lhe serviram de embasamento, demonstrando a sua relevância para a manutenção do equilíbrio das relações contratuais internacionais.

Assim, num primeiro momento será desenvolvido o estudo dos principais princípios informadores do contrato internacional, seguido da análise de sua conformação com a Teoria da Imprevisão e da cláusula rebus sic stantibus, precursoras das clausulas exoneratórias de responsabilidade.

Sequencialmente serão apresentados os elementos formadores da cláusula de hardship e sua relação com outras cláusulas também aplicadas nos contratos internacionais, como a cláusula de Força Maior, com princípios informadores dos contratos, como o pacta sunt servanda, culminando na compreensão da verdadeira atuação desta cláusula na conservação do equilíbrio dos contratos internacionais.

Reitere-se que não se assoberba este trabalho ao ponto de esgotar o assunto, que por sua complexidade comporta incontáveis enfoques totalmente diversos do que aqui será aplicado. Mas anseia, através do enfoque científico, apresentar novas contribuições ao estudo do tema, demonstrando sua importância nas relações contratuais internacionais.

2   O  PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E A CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUSCOMO FORMADORES DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS

2.1   O princípio da força obrigatória do contrato e o princípio da autonomia da vontade

O princípio da força obrigatória do contrato, também denominado pacta sunt servanda, consiste no pressuposto de que o avençado pelas partes deverá ter seu estrito cumprimento, como forma de preservação da vontade das mesmas, que presumidamente e livre e consciente no momento da celebração do mesmo.

No Direito Romano não há uma concepção substancial de contrato enquanto categoria geral e abstrata, uma vez que os romanos, nas palavras de Alvaro Villaça Azevedo’, “não aceitavam uma categoria geral dos contratos, dado que toda a sistemática contratual romana tinha como único  fundamento a. tipicidade”. Entretanto, conheciam o contrato enquanto operação, econômica, com força de lei entre as partes contratantes, sendo que o princípio do pacta sunt servanda reinava absoluto. Nesse sentido, segundo o paradigma romano, os contratos existiam para serem cumpridos sem interferência de terceiros ou do Estado.

O referido princípio teve seu apogeu no liberalismo econômico meandros do seculo XVIII, momento em que imperava individualismo extremo, e em que se rechaçava qualquer atuação intervencionista, mesmo quando em busca de um bem comum maior, ou proveniente de parte alheia a que compunha a obrigação.

Instituído em frontal contraposição ao Estado Absolutista, o Estado Liberal tinha como argumento de força, primeiramente, resguardar o indivíduo em face do Estado. Assim, é característico nesta época um Estado com poderes limitados, sobressaindo-se os direitos individuais e políticos e a defesa da livre iniciativa, livre concorrência e não-intervenção do Estado nas relações privadas.

Adam Smith, um dos principais pensadores do liberalismo, condensa em poucas palavras a argumentação da linha de pensamento que direcionou o Estado Liberal, afirmando que “é suficiente que deixemos o homem abandonado em sua iniciativa para que ao perseguir seu próprio interesse promova o dos demais. 0 interesse privado é o motor da vida econômica’”, atualmente, o princípio do pacta sunt servanda está disposto nos Princípios do Unidroit – International Institute for the Unification  of Private Law , como um dos princípios basilares (mas não absoluto) informadores dos acordos celebrados no âmbito intenacional. Dispõe o art, 1.3 do Unidroit:

Article 1.3 (Force obligatoire du contrat] – Le contrat valablement forme lie ceux qui I’ ont conclu. Les parties ne peuvent le modifier ou y mettre fin que selon ses dispositions,   d’un comun accord ou encore pour les causes enoncees dans ces Principes’.

Sobre a obrigatoriedade dos contratos veja-se a lição de Orlando Gomes 6 quando afirma que o contrato “celebrado que seja, com a observtin- cia de todos os pressupostos e requisitos necessaries a sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos”. Também Maria Helena Diniz 7 acompanha este entendimento, afirmando que “o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito”,

Tem-se nesse contexto, portanto, o Direito regido pelos Princípios da Autonomia da Vontade, do Consensualismo e da Obrigatoriedade Contratual.

A expressão Autonomia da Vontade foi utilizada, nos seus primórdios, por Weiss, em sua obra Traite Elementaire de Droit Internacional Prive, em 1886, sendo anteriormente utilizadas as expressões autonomia das partes”, “autonomia do homem” ou “autonomia do contratante”. Esta diferença entre as expressões não somente altera a denominação utilizada ao referir-se a autonomia, mas reflete, sobretudo, uma nova concepção sobre a autonomia nos contratos, de cunho mais técnico que a expressão autonomia das partes, que possui um senso mais técnico.

Com maior lucidez, Veronique Ranouil estabelece o ceme da diferença entre a autonomia da vontade e autonomia das partes, afirmando que parler de volonte et non plus de partis implique une interrogation plus ou moins consciente sur les sources du droit, et les rapports de la volonte et de la loi“‘8

O princípio da autonomia da vontade teve sua difusão e aplicação principalmente pela doutrina internacionalista, motivada pela a ausência de regras escritas de direito internacional, Além disso, a codificação do direito civil restringiu a análise do Direito e a escola da exegese estagnou o pensamento jurídico, limitando-o a um comentário literal da Lei”, o que obstava significativamente o desenvolvimento   da autonomia da vontade no direito intemo. Nota-se, assim, um fluxo contrário ao habitual – em que o direito interno atribui elementos para compor a ordem internacional pois no caso do princípio da autonomia da vontade, a estrutura inicial molda-se no Direito Internacional para então ser adaptada ao Direito Interno.

Esse princípio consagrou-se no âmbito internacional privado coma a liberdade que os contratantes têm para determinar a lei aplicável ao contrato. Nas palavras de Rechsteiner: “a autonomia da vontade das partes, no direito internacional privado, significa que as próprias partes podem escolher o direito aplicável. 0 elemento de conexão aqui e a própria vontade manifestada pelas partes, vinculadas a um negócio jurídico de direito privado com conexão internacional.

Também Irineu Strenger apresenta a autonomia da vontade nos contratos internacionais coma a ”faculdade concedida aos indivíduos de exercer sua vontade, tendo em vista a escolha e a determinação de uma lei aplicável a certas relações jurídicas nas relações internacionais”, Nota-se, assim, uma certa tranquilidade no entendimento doutrinário quanta à função do princípio da autonomia da vontade nos contratos internacionais.

Ainda no âmbito do Direito Internacional Privado, surgem duas concepções, subjetivismo e objetivista, do conceito de autonomia da vontade.

A primeira defende que a designação do direito aplicável ao contrato obedeceria a vontade das partes. Ou seja, sendo inexistente lei escolhida no contrato, compete ao juiz aplicar-lhe a vontade hipotética dos contratantes, implícita nas cláusulas contratuais e deduzida pelo magistrado.

Como o contrato possui uma conexão internacional, seu raio de abrangência extrapola a rede de relações sociais do ordenamento jurídico interno e, desta forma, forçoso seria concluir que o contrato não estaria submisso a nenhum sistema jurídico. A escolha da lei aplicável promoveria a incorporação dessa lei ao contrato. Segundo Irineu Strenger, para esta corrente, basta o ajuste da vontade para que se celebre o contrato, havendo indubitável supremacia da vontade sobre a lei 11

Em contrapartida, a concepção objetivista pura afirma que a lei não pode ser objeto do que fora convencionado pelos contratantes. O princípio da autonomia da vontade não permite que as partes adotem a lei aplicável, mas que a esta se submetam. A lei aplicável e, portanto, determinada pelo juiz de acordo com o que as partes tenham estipulado em relação à localização do contrato.

Atualmente, encontra maior subsídio no âmbito internacional o subjetivismo moderado, considerando-se instituída de valor pleno a cláusula de eleição de direito no contrato internacional, constando como mais significativo obstáculo a aplicação do princípio da autonomia da vontade nos contratos internacionais a ofensa a ordem pública.

Com propriedade, já ensinava Pontes de Miranda” que “não a autonomia absoluta ou ilimitada de vontade; a vontade tem sempre limites, ea alusiio a autonomia e alusdo ao que se pode querer dentro desses limites”. Entretanto mesmo essa limitação encontra-se cada vez mais diminuta, visto que as atividades do comércio internacional distanciam-se da ordem pública, que por sua própria omissão ou restrição deram ensejo a criação da lex mercatoria,

Ressalte-se, ainda, que limita-se a autonomia da vontade das partes também pela coesão, entre a escolha da lei aplicável e do fora escolhido pelas partes para dirimir conflitos. Noutras palavras, :is partes não podem escolher, quando da demanda, foro que seja mars favorável a seus interesses, muito embora nao seja o mais adequado para conhecer do litígio relativo aquele contrato – consubstanciando o forum-shopping’” – cuja concepção advém diretamente do direito internacional privado.

Os contratos internacionais são, como se pode perceber, um solo fértil para a adoção da autonomia de vontade como critério determinante da lei que lhes será aplicável, Irineu Strenger15 confirma está afirmação, lecionando que:

a autonomia da vontade assumiu, em verdade, o sentido específico, que jamais perderá, do poder de regulamentação das próprias relações, ou dos próprios interesses, dentro das limitações maiores ou menores ditadas pela equação do bem individual como bem comum. A força da autonomia da vontade praticamente se concentra no contrato que, sendo uma relação entre sujeitos de direito, e, em consequência, o campo mais abrangido por essa categoria jurídica, notadamente porque a relação obrigacional se estabelece entre pessoas.

Consiste a autonomia da vontade, portanto, no instituto que confere aos particulares o poder de auto-regulação, instrumentado em um contrato. Nesse sentido: “a autonomia da vontade consagrou-se como prinpio objetivado em todo complexo comportamental do comércio internacional, exatamente porque se revelou apta a consumar a formalização dos atos jurídicos, de que se serve o intercâmbio mercantil na consecução de seus fins?”:

Desta forma, a indubitável importância do princípio da autonomia da vontade no mundo jurídico internacional provêm, sobretudo, da certeza e segurança jurídica que traz as negociações internacionais, viabilizando  a árdua tarefa da determinação da lei aplicável ao contrato, num ambiente jurídico em que a normatização ainda e escassa, como é no comércio internacional.

2.2   A cláusula rebus sic stantibus

Num amplo período histórico teve-se a aplicação ampla e irrestrita da autonomia das partes quando da celebração dos contratos, que uma vez firmados adquiriam força de lei e deviam ser pontualmente cumpridos, mesmo ocorrendo fato imprevisível superveniente que viesse alterar a realidade sobre a qual foi pactuada a obrigação. Visava-se, assim, resguardar a liberdade de contratar, a autonomia da vontade e a segurança jurídica.

Com o advento das revoluções políticas e econômicas, cujas consequências refletiram na instauração de um Estado mais intervencionista, bem como uma preocupação maior com o social sobre o individual, também o direito contratual evoluiu, culminando numa relativização da força obrigatória do contrato. Sobretudo durante e após as duas guerras mundiais, que geraram indubitável desequilíbrio econômico e social, os quais refletiram diretamente nos contratos celebrados a época, houve a necessidade de reconhecer-se a ocorrência de fatos imprevisíveis que tornavam a execução dos mesmos senão impossível, extremamente onerosa para uma das partes.

Dentro desse contexto ressurge, assim, a cláusula rebus sic stantibus, abandonada no fim do século XVIII, para fins de regulamentar as situações em que fatos imprevisíveis oneravam excessivamente uma das partes em contrapartida ao benefício exagerado da outra. Surge nesse contexto a teoria da imprevisão, emanada do Conseil d’Etat de France, a teoria da onerosidade excessiva da prestação, defendida arduamente pela doutrina italiana e incorporada ao Codice Civile, bem como, finalmente, a mais elaborada de todas, ligada ao desaparecimento da base do negócio, que tem como defensor o celebre jurista Karl Larenz.

A relativização da força obrigatória dos contratos nao foi pacificamente aceita pelos sistemas jurídicos vigentes, vez que representa uma certa instabilidade aos contratantes. Porem, a evolução incontestável da industria gerou profundas alterações nas atividades econômicas e no mercado consumidor, dando origem a conflitos como concorrência desleal, formação de cartels, defesa do consumidor etc. 0 consequente desenvolvimento do comércio internacional e a atuação social do Estado exaltaram a complexidade que deveria nortear os contratos, restando ultrapassada a concepção de um contrato enxuto o bastante para não necessitar a interferência do Estado ou terceiros nas relações firmadas.

Por outro lado, e evidente que o resgate e a consequente aplicação da cláusula rebus sic stantibus não provocou o desaparecimento do princípio da força obrigatória do contrato, tão somente rompeu com seu caráter quase absoluto. Com efeito, cumpre observar que ambos os princípios não se excluem, mas se complementam, tendo como fim último possibilitar a perfeita execução do contrato, sem alterar a vontade inicial das partes, muitas vezes afetada por fato imprevisível e superveniente.

2.2.1 Evolução histórica e conceito

A cláusula rebus sic stantibus teve suas primeiras aparições no Direito Romano, sobretudo, em duas fórmulas apresentadas por Neratio na estruturação do Digesto – “Omnis pacto intelligittur rebus sic stantibus et in eodem statu manentibus” (Tudo se entende no contrato, desde que permaneçam as mesmas condições e circunstâncias) e “contractus qui habent trac- tum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur” (contratos que tem trato sucessivo ou dependem do futuro devem conservar sua base de contratação inicial).

Entretanto, não se pode atribuir ao Direito Romano – cuja estrutura incondicionalmente rígida e formal refletia na prevalência quase que absoluta do pacta sunt servanda – a criação desse conceito, a não ser como forma excepcional de solução de litígios.

A verdadeira manifestação da cláusula rebus sic stantibus, ainda denominada rebus sic se habentibus, e conferida ao Direito Canônico, inicialmente, a São Tomas de Aquino, em sua obra Summa Theologica Cura Fratrum Ordinis Praedicatorum, quando ensina que

quem promete uma coisa com intenção de cumprir a promessa, não mente, porque não fala contra o que tem na mente. Mas, não a cumprindo, é lhe infiel, mudando de intenção. Pode, porém, ser escusado por duas razões: (… ); segundo, se mudaram as condições das pessoas e dos atos, pois, como dizneca, para estarmos obrigados a fazer o que prometemos, é necessário que todas as circunstâncias permaneçam as mesmas. Do contrário, não mentimos quando prometemos, nem somos infiéis a promessa por não cumpri-la, pois já as condições não eram as mesmas.

A difusão do princípio se dá com o desenvolvimento de estudos dos juristas medievais, especialmente de Acúrsio e de Bartolo, em meados dos séculos XII e XIII 17. Nesse sentido, importante destacar que defendia a escola bartolista que o princípio rebus sic stantibus não seria cláusula expressamente inserida nos contratos, mas estaria subentendida, aproximando-se das implied conditions do direito anglo-saxão, segundo a qual o contrato depende, para sua eficaz execução, de uma condição implícita, que e o status quo envolvendo as partes no momento em que firmaram o contrato, independente, portanto, da vontade das partes e possuindo fundamentos na própria natureza das relações contratuais.

Em outras palavras, pode-se dizer que esses autores consideravam que a execução perfeita dos contratos avençados pelas partes estava sujeita a conservação das circunstâncias iniciais existentes, quando da sua celebração. Logo, ocorrendo modificações nestas condições, já não mais perdurava a obrigação contratada ou ela deveria ser revisada na mesma medida das alterações ocorridas.

Difundida e largamente aplicada no auge da Idade Média, esta subordinação do contrato a manutenção dos fatos que o ensejara – exonerando o devedor caso ocorresse a extinção ou modificação dos mesmos acabou por gerar instabilidade no incipiente sistema capitalista que se formava, cuja base estrutural consistia, justamente, na força dos contratos.

Assim, expansão da cláusula rebus sic stantibus perdurou ate final do século XVIII, quando a mesma deu sinais de enfraquecimento em face da retomada do princípio do pacta sunt servanda com maior rigor, No início do século XIX, esse movimento apresentou-se evidente nas codificações francesa, alemã e demais países que seguiam o modelo do liberalismo econômico, fundado em ideais libertários e individualistas.

O Ressurgimento da cláusula rebus sic stantibus ocorre com o advento das Guerras Mundiais, sendo que, com o desequilíbrio do sistema não intervencionista, inúmeras situações imprevisíveis justificaram uma maior reflexão sobre o tema. Nesse sentido, constatou-se a necessidade de retomada do instrumento do equilíbrio contratual,  qual seja, a cláusula rebus sic stantibus, que se tomou uma forma de manutenção da chamada justiça contratual em face da instabilidade econômica.

Sobre o renascimento deste instrumento de reequilíbrio contratual, Orlando Gomes teceu esclarecedor estudo, elucidando o momento de transição pelo qual passava a esfera jurídica contratual, visto que

o princípio da força obrigatória das convenções, pelo qual o juiz: estava obrigado a fazer cumprir os efeitos do contrato, quaisquer que fossem as circunstâncias ou as conseqüências  está abalado. 0 legislador intervém; a cada instante, na economia dos contratos, ditando medidas que, tendo aplicação imediata, alteram os efeitos dos contratos anteriormente praticados, e vai se admitindo o poder do juiz: de adaptar seus efeitos as novas circunstâncias (cláusula rebus sic stantibus), ou de exonerar o devedor do seu cumprimento, se ocorrer imprevisão. Por fim, desde que os contratos são fonte de obrigações e estas importam limitação da liberdade individual, entendia se que os seus efeitos nao deveriam atingir a terceiros. O contrato era res inter alios acta. Mas as  necessidades sociais impuseram a quebra, ainda que excepcional, desse princípio da relatividade dos efeitos do contrato, para a satisfação de certos interesses coletivos privados’”.

 

Assim sendo, a referida cláusula consolida-se como um fator de relativização do caráter absoluto do contrato, isto é, um equilibrador do prinípio do pacta sunt servanda.

Nesta nova formatação das relações contratuais, em que se amalgamaram ambos os princípios, visando o equilíbrio contratual, surge a moderna Teoria da Imprevisão, que consiste, no entendimento de Celso Antonio Bandeira de Mello, numa nova roupagem dada cláusula rebus sic stantibus quando do seu ressurgimento e cuja finalidade precípua é estabelecer contornos científicos à aplicação da primitiva cláusula rebus sic stantibus aos contratos, minimizando seu confronto, na verdade harmonizando-a  com o  pacta sum servanda.

Numa primeira abordagem do tema, importante destacar que não se confunde a Teoria  da Imprevisão com a cláusula rebus sic stantibus. Enquanto esta última não requer a imprevisão do acontecido para legitimar a revisão contratual, mas tão  somente a ocorrência de fato superveniente que gere desequilíbrio contratual e, conseqüentemente, onerosidade excessiva para uma das partes, a Teoria da Imprevisão necessita que a própria vontade das partes tenha sido  alterada, consistindo numa tentativa de adaptar a cláusula rebus stc stantibus a uma visão de contrato voluntarista, ou seja, adaptação do contrato as novas circunstâncias, respeitando-se a vontade das partes.

Nesse sentido, Nelson Borges’” traçou oportunas distinções entre ambos instrumentos, afirmando que

a cláusula fixou o ponto de partida; a teoria, a meta a ser atingida, na condição de princípio estruturado. Na primeira, cuidou-se apenas do respeito ao status quo ante em face de eventos anormais, alteradores da primitiva economia contratual,  na segunda as exigências foram bem maiores para que a intervenção judicial na vontade livremente manifestada pudesse ocorrer.

Pode-se afirmar, portanto, que a cláusula rebus sic stantibus configura-se como precursora da Teoria da Imprevisão, de maneira que “na imprevisibilidade a cláusula romana se contém, mas a recíproca não é verdadeira‘”: 

Assim, no seu sentido contemporâneo, a cláusula rebus sic stantibus, nas palavras de Aquaviva, consiste naquela determinação “que as partes estipulam que o cumprimento do contrato fica subordinado a não modificação, no futuro, dos pressupostos e circunstâncias que ensejaram o pacto”22

No mesmo sentido, De Placido e Silva a define como sendo: cláusula contratual, que se julga inserta nas convenções, em virtude da qual o devedor é obrigado a cumprir o contrato, somente, quando subsistem as condições  econômicas existentes quando fundado o ajuste. Nesta razão, a cláusula ‘rebus sic stantibus’ é tida como um pressuposto contratual”

Releve-se, entretanto, que esta definição amolda-se ao sentido lato do citado instrumento de ajuste do equilíbrio contratual. Em sentido estrito, cumpre registrar que a cláusula rebus sic stantibus representa a possibilidade de revisão dos contratos de execução diferida ou continuada por intermédio do reajustamento das prestações, ou de ser o mesmo resolvido no caso de sobrevir, aos ajustados, fatos supervenientes, imprevisíveis, que desequilibrem substancialmente a relação contratual das partes.

Para os defensores da referida cláusula em sentido lato, tem-se a perspectiva de que ninguém contrata para experimentar prejuízos. Desse modo, a cláusula em questão não é senão a aplicação da justiça contratual, em face da boa-fé, eqüidade e até mesmo da moral das partes contratantes. Com efeito, cumpre mencionar que são defensores deste último entendimento Riperf 4 Paulo Carneiro Maia 25 e Amoldo Medeiros da Fonseca 26.

Também nesse sentido, porém fundamentando na denominada realidade dos contratantes, quando da celebração do contrato, Bemhard Windscheid, da Escola Pandectística.

Por sua vez, a jurisprudência elegante27 na França, alega o já citado entendimento de-que a referida cláusula é pressuposta na vontade das partes  ao contratarem, ainda que implicitamente, pois advindo alterações consistentes e imprevistas torna-se clara a necessidade da revisão.

Em seu sentido estrito, bem ensina Maria Helena Diniz que, são requisitos para aplicabilidade da cláusula rebus sic stantibus:  (i) a existência de contrato de execução continuada ou diferida, (ii)  superveniência à celebração do contrato, (iii) de fato imprevisível que (iv) gere o desequilíbrio das prestações contratuais e (v) onerosidade excessiva de uma das partes em contrapartida ao lucro exagerado da outra e (vi) o fato de não ter a parte prejudicada dado causa ao desequilíbrio contratual sofrido.

Neste sentido, note-se que se conceitua a Teoria da Imprevisão de forma muito similar à aludida cláusula, gerando uma confusão deste ~instituto  com a própria cláusula rebus sic stantibus.  Porém, deve-se observar que o diferencial existe e concentra-se justamente na imprevisibilidade.

2.2.2 Teoria da imprevisão no direito brasileiro e comparado

A Teoria da Imprevisão aplicada no sistema jurídico moderno tem como requisitos: (i) vigência de contrato com execução diferida ou sucessiva; (ii) alteração radical das condições econômicas objetivas no momento da execução; (iii) onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício exagerado para o outro; (iv) imprevisibilidade do fato superveniente.

Reitere-se que se reporta a Teoria da Imprevisão não à  impossibilidade de execução do avençado, mas à  grande dificuldade de fazê-lo. Ou seja, o fato imprevisível e extraordinário que sobreveio à  relação contratual torna excessivamente onerosa a execução da obrigação a uma das partes, mas não impossível. Portanto, não se confunde também com o instituto da  força maior.

Como bem lecionam os doutrinadores pátrios, dentre os requisitos da Teoria da Imprevisão enfoque maior deve ser dado ao critério da imprevisibilidade e extraordinariedade. Dentro desse paradigma, perfila-se o jurista Silvio Venosa, lecionando que

o princípio da obrigatoriedade dos contratos não pode ser violado perante dificuldades comezinhas de cumprimellto, por fatores extenws perfeitamente previsíveis. O contrato visa sempre uma situação futura, um porvir. Os contratantes, ao estabelecerem o negócio, têm em mira justamente a previsão de situações futuras. A imprevisão que pode autorizar uma intervenção judicial na vontade contratual é somente a que refoge totalmente às possibilidades de previsibilidade 28

Como tema atual e de indubitável relevância dentro da atual realidade jurídica, isto é, voltada para a função social do contrato, a Teoria da Imprevisão busca a manutenção dos princípios da eqüidade, boa-fé e moralidade contratuais. Além disso, essa é uma teoria que tem sido tema de importantes debates jurídicos, como há muito já ocorreu na Semana Internacional de Direito, em 1937- Paris; no Congresso Internacional de Direito Privado, em 1950- Roma e no XIV Congresso da União Internacional dos Advogados, em 1951 – Rio de Janeiro, onde foram discutidas as novas formatações deste instrumento de reajuste contratual, de maneira que se amoldasse ao direito contemporâneo.

Atualmente, a imprevisão enquanto fundamento para revisão contratual é justificada, como ensina Nelson Borges29, pela teoria da onerosidade excessiva, criada pelo direito italiano e nele estabelecido em seu Código Civil de 1942. Tal entendimento foi albergado também pelo Direito Português (CC, art. 432), Argentino (CC, art. 1.198, § 2°) e Pátrio (CC, arts. 478 a 480).

No direito francês, verifica-se uma resistência histórica, tanto jurisprudencial quanto doutrinária, à aplicação da cláusula rebus sic stantibus ou da Teoria da Imprevisão, preservando-se ao máximo a intangibilidade contratual. Todavia, nos tribunais franceses já se verifica uma certa flexibilização deste entendimento, de maneira que se tornou mais freqüente a revisão judicial dos contratos. Também a doutrina francesa mais contemporânea tem admitido a Teoria da Imprevisão, como instrumento mais adequado à revisão contratual que a atividade legislativa, impossibilitada de antever a generalidade dos fatos geradores do desequilíbrio das prestações contratuais 30.

Também na Inglaterra e Alemanha tem se verificado a aplicação do instrumento de exceção ao princípio do pacta sunt servanda, com o fim de manter a boa-fé, eqüidade e vontade das partes nas relações contratuais. Pode-se dizer, assim, de uma forma geral, que atualmente existe uma aceitação relativamente pacífica na ordem internacional acerca da aplicação da Teoria da Imprevisão.

No direito pátrio, tem-se como primeira manifestação da cláusula rebus sic stantibus, o artigo doutrinal de autoria de Jair Lins, constante de 1923. Seqüencialmente, foram desenvolvidos relevantes estudos sobre o tema por renomados juristas como Clóvis Beviláqua, Epitácio Pessoa e Arthur Rocha, que auxiliaram na admissão e desenvolvimento da cláusula pela doutrina brasileira. Na jurisprudência brasile~ra, a pioneira decisão que acatou explicitamente a teoria da imprevisão no Brasil foi proferida por Nelson Hungria, ainda como Juiz Titular da sa Vara Cível do Distrito Federal, então o Rio de Janeiro, em 27.10.1930, cujos fundamentos utilizados foram a eqüidade e os princípios gerais de direito 31.

Na atualidade, é pacífica a aplicação da Teoria da Imprevisão no direito brasileiro, sempre com caráter de excepcionalidade ao consagrado princípio da força obrigatória dos contratos. Com o advento do novo Código Civil, não há mais quaisquer questionamentos sobre a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, condicionada à onerosidade excessiva, estando definitivamente positivada no· nosso ordenamento civil, em consonância com o entendimento já desenvolvido pela jurisprudência e doutrina sobre o tema.

Quanto ao Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 6° possibilita a revisão contratual das cláusulas que venham a onerar excessivamente o consumidor, a doutrina diverge quanto à incidência da Teoria da Imprevisão em tal dispositivo ou não. Para parte significativa da doutrina, como Nelson Nery Júnior32 e José Geraldo Brito Filomeno33, entende-se estar implícito, no citado dispositivo, a Teoria da Imprevisão. No entendi- mento deste autor: ”fica ainda definitivamente consagrada entre nós a cláusula ‘rebus sic stantibus ‘, impUcita em qualquer contrato, sobretudo nos que impuserem ao consumidor obrigações iníquas ou excessivamente onerosas”.

Por sua vez, a corrente divergente, que tem como um de seus defensores o jurista Silvio Venosa 3\ argumenta que “a dispensa da imprevisibilidade, contudo, ainda que exclusivamente nas relações de consumo, traz, sem dúvida, maior desestabilidade aos negócios e deve ser vista com muita cautela”. Nesse sentido, defendem a aplicação da teoria da lesão enorme, advinda do Direito justinianeu, que desconsidera a necessidade de imprevisibilidade do evento danoso, e não a Teoria da Imprevisão, cujo requisito imprescindível é justamente a extraordinariedade e imprevisibilidade do fato.

Também na jurisprudência brasileira importante destacar que já se utiliza a referida teoria de forma desenvolta, não cabendo mais qualquer dúvida sobre sua admissão no sistema jurídico brasileiro. No Direito Internacional, a cláusula rebus sic stantibus aparece denominada como cláusula de hardship, sendo levada, nas palavras de Celso de Mello:

para o direito intemacional por Alberto Gentili (De Jure Belli, 1598) e defendida entre os clássicos por Vattel. Esta cláusula, que se admite como subentendida em todos os tratados com prazo indetenninado ou prazo muito longo, acarretará que a convenção deverá ser revista ou terminada quando as circunstâncias que lhe deram origem forem substancialmente modificadas de modo imprevisível. Tal fato ocorre em virtude de se considerar que nenhum tratado é concluído para ser perpétuo 35.

Tema central deste estudo, será apresentado com maior peculiaridade e aprofundamento em capítulo subseqüente a sua inserção e influência nos contratos internacionais.

3 A CLÁUSULA DE HARDSHIP

3.1 A origem

Evidencia-se, nos últimos anos, a intemacionalização vertiginosa do comércio, que culminou com a construção de uma estrutura autônoma do comércio internacional, regido por princípios e normas específicas. Essa crescente internacionalização advém, sobretudo, do progresso das tecnologias, diminuição das distâncias e burocracias estatais, do contínuo alargamento dos mercados, do crescimento das necessidades individuais, bem como a conseqüente intensificação do intercâmbio e da necessidade de cooperação econômica internacional para a constituição e desenvolvimento de grandes empresas transnacionais 36.

Com o desenvolvimento excessivo do comércio internacional buscouse, no âmbito jurídico, a unificação das normas que o regem, a fim de conceder maior segurança à celebração de tratados, acordos e contratos internacionais. Tem-se, assim, a consagração do Direitg do Comércio Internacional como secção do Direito Internacional Privado, cuja função precípua é o estudo de princípios e normas afetas à organização e harmonização das leis comerciais dos países contratantes, avaliando sua aplicabilidade e suas limitações, apresentando soluções aos conflitos advindos da própria complexidade do sistema internacional, como o embate entre as legislações dos Estados e mesmo alterações ocorridas em face da oscilação da realidade econômica internacional. Assim, cabe a este ramo do Direito o estudo dos contratos a serem celebrados no sistema comercial internacional, bem como das cláusulas que o compõem, corriqueiramente aplicadas.

Dentre tais cláusulas, ressaltamos a cláusula de hardship, que surge do desenvolvimento do comércio internacional, cujos contratos, usualmente de longa duração, expõem-se aos riscos imprevisíveis que podem ocorrer após a sua celebração, gerando dificuldades quanto à execução, bem como a possibilidade do surgimento de onerosidade patrimonial excessiva às partes contratantes, provocando um desequilíbrio econômico não desejado.

Desse modo, as hardship clauses aparecem como variantes das denominadas cláusulas exoneratórias de responsabilidade, originariamente aplicadas aos contratos internacionais para regulamentar a impossibilidade de execução do mesmo. Visam, portanto, a revisão da obrigação, ou, no caso de ser esta impossível ou inviável, a rescisão do contrato.

A cláusula de hardship surge como instrumento para resguardo da segurança jurídica das partes contratantes em situações de inexecução da obrigação contraída, por motivos alheios à vontade das partes, visto que nem todos os países aceitam, em seu ordenamento interno, a teoria da onerosidade excessiva, aplicando em maior ou menor grau o princípio do pacta sunt servanda. O que se observa é que relegar ao ordenamento de cada contratante a solução de um conflito desta proporção desestruturaria ou pelo menos diminuiria um dos maiores anseios das partes ao celebrarem contratos internacionais, qual seja, a segurança jurídica.

A necessidade de um instrumento que preservasse a vontade inicial das partes, não as sujeitando ao prejuízo patrimonial excessivo, inesperado quando da celebração do contrato, foi prevista nos princípios do Unidroit, ao qual dedicaremos estudo mais aprofundado na seqü.ncia. Dessa forma, são as  hardshipclauses originárias das teorias da onerosidade patrimonial excessiva e da imprevisibilidade, visando dirimir as incertezas geradas pelos riscos incontroláveis inerentes aos contratos de longo prazo, possibilitando a aplicação do princípio da obrigatoriedade  (pacta sunt servanda) na justa medida.

3.2 Conceito

Etimologicamente, traduz-se  hardship como algo difícil de suportar, sofrimento, privação, adversidade. Numa definição mais exata, tem-se coino hardship:

uma situação em que a alteração de fatores políticos, econômicos, financeiros, legais ou mesmo tecnológicos que vigoravam na época da celebração do contrato resulte em conseqü.ncias danosas para uma das partes. Tais modificações podem ser causadas por fenômenos geofísicos, pelas condições socioeconômicas vigentes 1zo  sistema internacional ou ainda pelas alterações no mercado internacional, advindas de crises estruturais, escassez, flutuação de preços etc., e suas respectivas conseqü.ncias na política comercial, como restrições, medidas de protecionismo, entre outras 7.

Desse modo, pode-se dizer que a cláusula de  hardship consiste numa cláusula de revi,são, cujo objetivo precípuo é a reorganização do equilíbrio contratual, com o fim de readaptá-lo, preservando a eqüidade das partes, ao novo contexto gerado pela superveniência de fato imprevisível, ou, não sendo possível a reorganização, proceder à rescisão do contrato sem onerar excessivamente qualquer das partes.

Orlando Gomes, em parecer transcrito por Luiz Olavo Batista 38, define a cláusula de hardship, como:

uma cláusula que permite a revisão do contrato se sobrevierem circunstâncias que alterem substancialmente o equilíbrio primitivo das obrigações das partes. Não se trata de aplicação especial da teoria da imprevisão à qual alguns querem reconduzir a referida cláusula, ( … ). Trata-se de nova técnica para encontrar uma adequada reação à superveniência de fatos que alterem a economia das partes, para manter … sob o controle das partes, uma série de controvérsias potenciais e para assegurar a continuação da relação em circunstâncias que, segundo os esquemas jurídicos tradicionais, poderiam levar à resolução do contrato. 

Bruno Oppetit a define como sendo aquela nos termos da qual as partes poderão demandar uma reorganização do contrato que as une, caso uma alteração interfira nos dados iniciais, com vistas aos quais elas se obrigaram, vindo a alterar o equilíbrio do contrato a ponto de fazer com que uma das partes se submeta a um rigor (hardship) injusto 39.

No entendimento deste último autor, as hardship clauses configuram verdadeiras cláusulas de readaptação, que conjuntamente às cláusulas de manutenção (menos viáveis nos contratos internacionais de longo prazo, visto reportarem-se tão-somente aos riscos monetários), visa salvaguardar o equilíbrio da execução dos contratos eventualmente alterado por fato imprevisível superveniente.

Luiz Olavo Baptista, reitera esse entendimento, sublinhando a semelhança entre a cláusula de hardship e a cláusula de força maior no que concerne à imprevisibilidade e à inevitabilidade do evento que lhes serve como fundamento de validade, divergindo, entretanto, no grau de alteração trazido pelo evento, visto que na cláusula de hardship a prestação tão-somente torna-se mais onerosa, enquanto na força maior torna-se impossível 40.

Por fim, também na consolidação dos princípios do Unidroit, em seu art. 6.2.2, há a definição de hardship, que pertinentemente se transcreve:

Article 6.2.2 –  Définition – Ii y  a hardship lorsque surviennent des evmements qui alterent fondamentalement I’  equilibre des prestations, soit que le coíit de l’exécution des obligations ait augnmeté, soit qeu la valeur de la cont1·e-prestation ait diminué, et

a) que ces événements sont sun>enus ou ont été connus de la partie lésée apres la conclusion du contrat;

b) que la partie lésée n’a pu, lors de la conclusion du contrat, raisonnablement prendre de tels événements en considération;

c) que ces événements échappent au contrôle de la partie lésée; et

d) que /e l’isque de ces événements n’a pas été assume par Ia partie lésél 1

Ressalte-se ainda que a cláusula  hardship, como instrumento de renegociação fundamentada sobretudo na Teoria da Autonomia da Vontade, terá a sua verdadeira definição formulada pelas próprias partes contratantes, que deverão prever no contrato a sua hipótese de incidência, efeitos e consequências .

Nesse sentido, alguns dos contratos que contêm a cláusula  hardship procuram indicar quais são os eventos que a ela pode ajustar, outros unem este rol exemplificativo a uma fórmula genérica, e uma terceira modalidade tão-somente apresenta uma disposição geral, de caráter exemplificativo 42. Ressalte-se que não há uma forma específica, o que importa é que a redação da cláusula seja feita com atenção, pois os eventos variarão de acordo com o objeto do contrato.

Independentemente, portanto, da formulação que se dê às cláusulas de hardship no contrato, que geralmente remetem a constatação à arbitragem, maior relevo deve ser dado à situação fática que enseja a incidência da hardship clause estipulada no contrato de comércio internacional, sendo imprescindível à sua caracterização alguns elementos, descritos no item seqüente.

3.3 Elementos e características

As cláusulas de hardship pressupõem alguns elementos – muitos deles legalmente estabelecidos nos princípios do Unidroit, conforme visto no art. 6.2.2- para sua incidência: (i) imprevisibilidade do evento;  (ii) inevitabilidade, (iii) exterioridade em relação à vontade das partes; (iv) grande dificuldade na execução do contrato; (v) onerosidade patrimonial excessiva de uma das partes quando do cumprimento da obrigação e, conseqüentemente, (vi) desequilíbrio contratual.

Num primeiro momento procede destacar que a imprevisão do evento, elemento advindo da própria Teoria da Imprevisão, é usualmente analisada como uma das características centrais desta cláusula. Isto porque, se o evento danoso era previsível e as partes sobre o mesmo não dispuseram, coerentemente, aduz-se negligência da parte prejudicada que deverá, por sua própria omissão, suportar o ônus do evento que lhe é prejudicial. Nesse sentido, evidente que a imprevisibilidade sobre a qual dispõe a cláusula de hardship não consiste no evento em si (porque imprevisível), mas na consciência da possibilidade de sobrevirem situações que, afastadas substancialmente da raia de probabilidade, não puderam ser previstas pelas partes na época da celebração do contrato.

Alguns doutrinadores 43 sobre o assunto não partilham do entendimento de ser a imprevisibilidade um dos elementos centrais das cláusulas de hardship, preferindo à mesma o elemento da exterioridade, que não é senão a sobreposição do evento danoso à vontade das partes.

Noutras palavras, caracterizam como fundamento basilar à aplicação deste instrumento de reajuste contratual não a imprevisibilidade inerente ao evento danoso, mas o fato de não ser este querido pelas partes, escapando ao controle da parte lesada, sendo, portanto, inevitáveis. Ressalte-se que neste último aspecto (inevitabilidade) configura-se um elemento puramente objetivo, que em nada se reporta à vontade das partes, fundamentando-se tão somente na imposição do princípio da boa-fé.

Faz-se necessário uma ressalva, no que se refere ao momento da ocorrência do desequilíbrio contratual e a conseqüente alteração por ele ocasionada, para fins de aplicação da cláusula de hardship: o mesmo deverá ter ocorrido ou chegado ao conhecimento da parte lesada sempre após a celebração do contrato. Em consonância ao disposto no ai-t. 6.2.2, alínea “a”, dos princípios do Unidroit, é considerado obrigatório que o momento no qual a parte tome conhecimento do evento que gerou o hardship seja posterior à conclusão do contrato, relevando o momento de ocorrência do acontecimento.

Quanto à alteração trazida pelo evento prejudicial dispõem os comentários “a” e “b” do n. 2 do art. 6.2.2 dos princípios do Unidroit que a mesma deverá ser fundamental, o que se entende pelo aumento substancial dos gastos da parte prejudicada quando do cumprimento da sua obrigação ou pela diminuição excessiva do valor da contraprestação que deveria receber.

Com efeito, depreende-se, destes dispositivos, a necessidade da onerosidade excessiva para uma das partes. Observe-se que este requisito conjuntamente com a imprevisão formam as bases originárias da cláusula de hardship. Neste aspecto, pode-se concluir que esta cláusula de reajuste contratual visa conservação da estabilidade dos contratos internacionais, impedindo que as incertezas constantes do comércio internacional possam gerar o enfraquecimento do mesmo por conta da insegurança jurídica.

Assim, conclui-se mais uma vez que não consiste a cláusula de hardship, como ocorre com a cláusula de força maior, em exceção ao princípio do pacta sunt servanda. Pelo contrário, a referida cláusula possibilita o efetivo cumprimento dos contratos internacionais, porque contém regras adaptadoras, que redimensionam as oscilações que perduram sobre a realidade do comércio internacional.

Por fim, quanto aos tiscos abarcados pela cláusula de hardship há de se fazer breves considerações. Isso porque os riscos que aqui se analisam consistem nos incontroláveis, ou seja, não daqueles advindos da inexecução dolosa ou voluntária do contrato, mas sim do inadimplemento por causas alheias à vontade dos contratantes e que ocorrem ao longo do tempo.

Ainda quanto ao risco, é válido salientar que ele não poderá ter sido assumido no momento da celebração do contrato, por vezes pela sua própria natureza – como ocorre com a celebração de contrato tipicamente aleatório. Em suma, o risco enquanto elemento relevante à incidência da cláusula de hardship deverá ser incontrolável e não assumido pelas partes, implícita ou expressamente. Caso contrário, tem-se a incidência do pacta sunt servanda, ainda regra geral na celebração dos. contratos, conservando-se a segurança jurídica dos contratos e a boa-fé dos contratantes.

Quanto às suas características, as hardship clauses não têm estrutura predefinida, estando as partes livres para estipularem os termos que considerarem relevantes na situação específica sobre a qual formula-se o contrato internacional. Deve-se atentar, entretanto, no momento de redação desta cláusula, para diferenciá-la sobretudo da cláusula de força maior, discriminando detalhadamente os elementos que lhes dão ensejo.

Assim, as cláusulas de hardship deverão ser previstas nos moldes da preferência das partes contratantes. Alguns elementos específicos são aconselháveis para a perfeita aplicação destas cláusulas: (i) os principais eventos que lhe dariam ensejo (ii) as pessoas competentes para proceder à readaptação, (iii) as modalidades de negociação e (iv) as consequências destas, ou seja, a possibilidade de intervenção de terceiros nas renegociações do contrato ou até mesmo as hipóteses de suspensão parcial ou total dos efeitos do contrato enquanto perdurar a renegociação.

Analisada a estrutura da cláusula de hariship, convém expor, mesmo que brevemente, os efeitos de sua incidência, enumerados sobretudo no art. 6.2.3 dos Princípios do Unidroit, quais sejam: (i) renegociação; (ii) suspensão da execução ou a modificação ou resolução do contrato por decisão judicial ou arbitral, no caso de insucesso da renegociação.

 

3.4 Efeitos

Concretizada a hipótese de incidência da cláusula de hardship será processada a readaptação do contrato, por solicitação da parte prejudicada, mediante a aplicação da aludida cláusula. Essa solicitação deverá ser feita tão logo a parte tome conhecimento do evento oneroso, de maneira que o não exercício da faculdade de readaptação do contrato, nele prevista, implica automaticamente na continuação de seus efeitos jurídicos, obrigando as partes desde a ocorrência do evento gerador de hardship até o momento da readaptação 44.

Solicitada, a readaptação poderá concretizar-se de forma voluntária e consensual ou através da intervenção de um árbitro, que decidirá conforme os limites da situação jurídica em questão.

É válido ressaltar, que a cláusula de hardship tem como objetivo precípuo a revisão da obrigação, e, não sendo esta viável, a rescisão do contrato. Seus efeitos encontram-se expressos no art. 6.2.3 dos princípios do Unidroit:

Article 6.2.3  – Effets  – En cas de hardship, la partie lésée Peut demander l’ overture de renégociations. La demande doit être faite sans retard indu et être motivée.

 1) La  demande ne domze pas par elle-même à  la parti e lésée le droit de suspendre I’ exécution de ses obligations.

2) Faute d’accord entre les parties dans un délai raisonnable, /’une ou l’autre Peut saisir le tribunal.

3) Le  tribunal qui conclut à  l’existence d’un cas de hardship Peut, s’il

I’ estime raisomzable:

a) mettre fin au contrat à  la date et aux conditions qu ‘ii  fixe; ou

b) adapter le contrat en vue de rétablir l’équilibre des prestations 45.

 

3.4.1 Renegociação

A renegociação deve ser requerida pela parte, sem atraso injustificado – undue delay – devendo ser aferida as circunstâncias de hardship do caso específico, com vistas à boa-fé das partes envolvidas.

Adjunto ao requerimento deverá a parte que requer a aplicação da cláusula de hardship apresentar as razões que fundamentam o pedido de renegociação do contrato, devendo ser apresentadas à parte contrária em lapso temporal razoável, sem demora injustificada. Ressalte-se que as determinações legais não prevêem quaisquer penalidades ao descumprimento da norma que proíbe o atraso injustificado, exceto a influência deste na averiguação da incidência ou não de hardship.

Na prática, as próprias partes, ao estipularem as cláusulas de hardship, devem prever o prazo no qual deverão ser apresentadas tais razões, bem como as penalidades referentes à não obediência de tal prazo.

Confirmada por ambas as partes a fundamentada ocorrência de hardship, bem como a razoabilidade do requerido pela parte prejudicada, podem proceder as mesmas voluntariamente à renegociação do avençado, ou recorrer à intermediação de um árbitro. Tem-se observado que as próprias partes procedem, geralmente, às modificações necessárias no reajuste contratual. Nada impede, entretanto, que um terceiro o faça, devendo esta opção estar expressamente definida no contrato internacional e sendo, como bem lembra Nadia Araújo 46, esta a opção menos desejada pelas partes.

Saliente-se que, apesar de denominada voluntária, a renegociação não se trata de uma faculdade da parte proceder ao reajuste. Uma vez confirmado os elementos caracterizadores da hardship, a parte tem o dever de proceder à renegociação, sendo, portanto, uma cláusula compulsória.

3.4.2 Suspensão da execução

Como dispõe o n. 2 do art. 6.2.3, a reneg9ciação por si só não gera o direito à parte lesada de suspender a execução do contrato, permitindo-se tão-somente em “situações extraordinárias”. Este dispositivo tem como fundamento evitar o uso indiscriminado da cláusula de hardship para fins protelatórios da execução do contrato, gerando insegurança jurídica no âmbito do comércio internacional, efeito justamente oposto ao que se destina este dispositivo.

Conclui-se, portanto, que, ocorrendo a renegociação entre as partes, voluntariamente ou por decisão arbitral, estará preservado o vínculo contratual. Ressalte-se que esse vínculo não foi suspenso e tampouco cessou seus efeitos durante as negociações, mantendo-se o contrato nas condições originariamente celebradas.

Por fim, não sendo possível, por nenhuma das modalidades já apresentadas, proceder à adaptação do contrato internacional, tem-se como última solução razoável a confirmação, pelo Tribunal, das cláusulas do contrato, assim como estão dispostas, ou a permissão para que prossigam as partes às negociações intentando um acordo sobre a adaptação do contrato. Nesse sentido, dispõe o art. 7.4.1, n. 1 dos Princípios Unificados do Unidroit:

Article 7.4.1  – Droit aux dommages-intérêts- L’inexécution d’une obligation donne au créancier le droit à des dommages-interêts, soit à titre exclusive, soit en complement d’autres moyens, sous reserve des exonérations prévues dans ces Principes 41.

3.4.3 Resolução ou modificação do contrato, em decorrência de decisão judicial

Não sendo possível a readaptação do contrato pelas modalidades já apresentadas, visto não acordarem as pattes sobre a solução adequada à aplicação da cláusula de hardship, há uma última possibilidade, disposta no n. 4 do art. 6.2.3 dos Princípios do Unidroit, consistente na resolução do conflito.

A resolução do contrato, neste caso, é subordinada ao critério da razoabilidade. Assim, o contrato só será resolvido quando sua adaptação não for razoável. Noutras palavras, pode-se afirmar que sendo razoável adaptar o contrato, o tribunal chamado limitar-se-á a restabelecer o equilíbrio contratual originário, não lhe sendo facultado a imposição de nova solução ao contrato em questão. Como bem lembra Jairo Melo 48

A readaptação contratual da situação ocorrerá raramente segundo a análise jurídica acima apresentada, por meio judicial, porque as partes são em geral animadas de uma vontade comum de concluir e manter o contrato seguindo o equilíbrio existente quando da sua celebração, que normalmente tendem a respeitar a previsão da solução pelos meios contratualmente determinados. 

Tanto melhor que assim ocorra, pois os contratos internacionais de comércio têm como princípio informante basilar o da Autonomia da Vontade, devendo as partes, e não os magistrados, decidirem conforme sua vontade as questões incidentes às suas relações contratuais.

Sendo optado por esta modalidade de resolução ou modificação do contrato, o tribunal deverá distribuir eqüitativamente os prejuízos entre as partes, considerando a extensão do risco assumido por cada uma das partes, sendo permitido, inclusive, readaptar o preço originariamente estipulado.

 

4 A CLÁUSULA DE HARDSHIPE A CLÁUSULA DE FORÇA MAIOR

De Plácido e Silva define os casos de força maior como aquele que “mesmo previsto ou previsível, não pode ser evitado pela vontade ou pela ação do homem. ( … ) Se caracteriza precipuamente pela irresistibilidade não se levando em conta, quanto ao acontecimento que se registra, se era previsto ou não”49.

Também a Convenção de Viena sobre a Venda Internacional de Mercadorias de 1980, em seu art. 79, conceitua a força maior, elucidamente expondo que  “uma parte não é  responsável pela inexecução de qualquer de suas obrigações se provar que tal inexecução se ficou a dever a um impedimento alheio à  sua vontade e que não era razoável esperar que ela o tomasse em consideração no momento da conclusão do contrato, o prevenisse ou o ultrapassasse, ou que prevenisse ou ultrapassasse suas consequências”.

A Jurisprudência pátria corroborou com a conceituação de Força Maior, inclusive esclarecendo a diferenciação entre a mesma e o caso fortuito, como relatado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ministro do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, que no seu voto leciona:

 nota-se, portanto, que a força maior só resta caracterizada quando houver impossibilidade absoluta de cumprimento da obrigação, ou seja, quando é  inevitável seu descumprimento, por qualquer outro meio, em razão das circunstâncias ensejadas pelo fato de terceiro. Isto porque, ainda configurando- se possível o objeto do contrato e sendo, por outros meios, possível o adimplemento da prestação, deve-se sempre colimar à  continuidade do contrato –  notadamente pelo princípio insculpido no brocardo ‘pacta sunt servanda’ -,  ainda que certos temws tenham que ser flexibilizados e revistos, com vistas a retomar o equilíbrio fissurado por fato superveniente –  aplicando- se o brocardo rebus sic stantibus, ou, como hodiernamente denominado, a teoria da imprevisão 50.

Assim, tem-se segundo esse entendimento, como requisitos à configuração de caso de força maior, necessariamente, a {i) imprevisibilidade, (ii) inevitabilidade e (iii) ausência de culpa do devedor quanto à ocorrência do evento impeditivo da execução do contrato.

Ao adotar a cláusula de força maior, os contratantes poderão, ainda, fazer apenas uma referência, sem qualquer descrição, apenas para que seja aplicado o direito às situações de força maior, que necessariamente será o da lei de regência do contrato, sendo que a enumeração ou descrição da cláusula poderá ser de caráter exaustivo ou meramente exemplificativo 51.

Quanto à identidade entre cláusula de força maior e a cláusula de hardship, pode-se afirmar que se resumem a dois elementos: primeiro, o fato de ambos ocorrerem no intermédio do prazo de execução do contrato e, segundo, a ausência de culpa das partes quanto à ocorrência do evento 52.

Suas divergências, entretanto, iniciam-se já em seus respectivos fundamentos de validade. Enquanto a cláusula de força maior fundamenta-se na inevitabilidade e imprevisibilidade do evento, que conduzem à absoluta impossibilidade de cumprimento da obrigação, a cláusula de hardship tem como basilar a Teoria da Onerosidade Excessiva, não configurando como elemento principal para sua caracterização a imprevisibilidade do acontecimento, mas a onerosidade excessiva advinda do mesmo a uma das partes contratantes.

Noutras palavras, não se pontua, na aplicação da cláusula de força maior, as características pessoais das partes contratantes, mas tão-somente a impossibilidade de cumprimento da obrigação avençada por motivo superveniente e externo à vontade das partes. Se o cumprimento fosse possível, ainda que extremamente oneroso ao devedor, irrelevante seria o fato em relação à cláusula de força maior.

O mesmo não ocorre com a cláusula de hardship, cuja fundamentação reside, justamente, no fato de sofrer o devedor uma perda excessiva caso seja obrigado a cumprir com o avençado. Ressalta-se, assim, uma característica interna da relação contratual, e não a possibilidade ou não de cumprimento do contrato.

Assim, pode-se concluir que enquanto a cláusula de força maior representa verdadeira exceção ao pacta sunt servanda, a cláusula de hardship a complementa, visando, sobretudo, a segurança jurídica das relações contratuais de longo prazo.

Uma segunda disparidade entre ambos instrumentos, que pode ser considerada como a mais evidente no que concerne aos contratos internacionais do comércio consiste na conseqü.ncia gerada pelo evento. Como já afirmado anteriormente, as cláusulas de força maior operam seus efeitos quando se toma impossível a execução do contrato, apesar da vontade presumida do devedor de cumpri-la. Nas cláusulas de hardship, não se verifica a impossibilidade da execução da obrigação, mas apenas uma grande dificuldade a uma das partes de fazê-lo, em face do aumento vertiginoso do custo da execução.

Apesar da distinção doutrinária entre as duas cláusulas, a prática da redação dos contratos tem aproximado os dois conceitos, tanto no que se refere à hipótese quanto no tocante ao regime estabelecido pela cláusula, proporcionando muita confusão. Nesse sentido, é comum a existência de cláusulas que descrevem como hipótese de força maior situações nas quais a execução não se tornou impossível, mas apenas excessivamente onerosa a uma das partes, o que de acordo com a distinção conceituai seria hipótese própria de cláusula de hardship.

Por outro lado, apesar de ser o efeito característico da cláusula de força maior a suspensão da prestação e, num momento posterior, a rescisão do contrato com a exoneração da responsabilidade do devedor, algumas delas prevêem um regime de negociação, tornando-a mais semelhante à cláusula de hardship.

Segundo Irineu Strenger 3 , uma das maiores autoridades no estudo do direito do comércio internacional, a proximidade entre as cláusulas de hardship e de força maior são ainda mais evidentes. Defende que ambas são cláusulas exoneratórias de responsabilidade, independente da denominação utilizada. Reitera, ainda, que a cláusula de hardship é, na verdade, uma variante da cláusula de força maior.

Pode-se concluir, por fim, que a cláusula de hardship consiste, na verdade, em complementação à cláusula de força maior, posto que além dos fenômenos naturais, políticos e demais que possibilitarão a suspensão ou resolução do contrato (força maior), por intermédio daquela, também será possibilitada a intervenção no contrato apenas para, adaptando-o, o mesmo se -tome mais equilibrado, num mecanismo de verdadeira revisão contratual.

Os elementos de conexão e distinção entre a força maior a cláusula de hardship também são depreendidos dos Princípios do Unidroit. Como exemplo, podem ser apresentadas· as disposições do art. 7.1.7, no qual encontra-se regulamentada a força maior:

Article 7.1.7- Force Majeure

1) Est exoneré des conséquences de son inexécution le debiteur qui établit que celle-ci est due à w1 empêchement qui échappe à son contrôle et que l’on ne puvait raisonnablement attendre de lui qu ‘ii le prenne em considération au moment de la conclusion du contrat, qu ‘ille prévienne ou le surmonte ou qu ‘ii en prévienne ou surmonte les conséquences.

2) Lorsque l’empêchement n’est que temporaire, l’exonération produit effet pendant um délai raisonnable en tenant compte des conséquences de l’empêchement sur l’exécution du contrat.

3) Le débiteur doit not{fier au créancier l’existence de l’empêchement et les conséquences sur son aptitude à exécuter. Si la notification n ‘arrive pas à destination dans un délai raisonnable à partir du momellt ou  il a eu, ou aurait díi avoir, connaissance de l ‘empêchement, le débiteur est tenu à des dommages-intérêts pour le préjudice résultant du défaut de réception.

4) Les dispositions du présent article n ‘empêchent pas les parties d ‘exercer leu r droit de résoudre le contrat, de suspendre l’ exécution de leurs obligations ou d’exiger les intérêts d’une somme échue 54.

Com efeito, observa-se que há a possibilidade de ocorrer, nos termos das disposições dos princípios do Unidroit, a configuração, ao mesmo tempo, de um caso tanto de hardship como de força maior, ficando à parte a escolha do meio que lhe parecer mais conveniente. Invocando a força maior, a pmte deverá justificar a inexecução de sua prestação. Se invocar a cláusula de hardship, o contratante irá, primeiramente, renegociar as cláusulas do contrato, com o fim de viabilizar a continuação dos contratos com as cláusulas revisadas 55.

Nestes casos, a escolha entre o instrumento de hardship ou de força maior tem substanciais diferenças em seus efeitos. As hardship clauses não possibilitam, primafacie, a suspensão da execução do contrato, nem é aplicada automaticamente à ocorrência do fato, enquanto a força maior age automaticamente, requerendo tão-somente a notificação pela parte prejudicada à outra, acerca dos impedimentos que geraram a inexecução do contrato.

5 EQUILÍBRIO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS-A IMPORTÂNCIA DAS CLÁUSULAS DE HARDSHIP

A prática diária das relações internacionais, que apresentou uma evolução vertiginosa nas últimas décadas, gerou a independência do comércio internacional, bem como da realidade jurídica que o rege, requerendo, face a sua complexidade, a criação de instrumentos próprios que viabilizem tais atividades econôrnicas.

Conjuntamente ao avanço experimentado nas relações internacionais entre os países, advieram profundos conflitos, sobretudo os relacionados à instabilidade da regulamentação jurídica deste novo sistema, que padece de um regime normativo único e positivado, gerando insegurança na contratação internacional.

lrineu Strenger alerta sobre tal situação, lecionando que

a segurança das relações e comércio internacional dependeria da possibilidade de se conseguir submetê-Las a um regime único, isto é, encontrando modo de evitar que essas relações fiquem continuamente sujeitas ao impacto de leis imperativas divergentes e, portanto, impossibilitando a realização dos negócios concernentes de acordo com a prática vigente e acatada pelas partes intervenientes 56.

As relações de comércio internacional pautam-se, sobretudo, em princípios e p.os costumes advindos da prática, sobrepondo-se, de maneira incontestável, o princípio da autonomia da vontade das partes quando da contratação. Desta forma, os contratos internacionais adquirem real importância como forma de promover relativa segurança jurídica às relações estabelecidas, pois firmam a obrigatoriedade das partes contratantes de cumprirem o avençado.

Também corrobora a insegurança das atividades econômicas internacionais a probabilidade maior da ocorrência de riscos incontroláveis, sobretudo em razão da longa duração dos contratos internacionais, que venham afetar as circunstâncias iniciais quando da celebração do contrato, trazendo onerosidade excessiva a uma das partes, e seu conseqüente irreparável prejuízo econômico. Evidente que tal situação geraria imediato receio aos países de firmarem acordos comerciais internacionais, decretando a falência deste sistema de comércio internacional.

Para fins de preservar este equilíbrio das relações do comércio internacional, a doutrina desenvolveu as chamadas hardship clauses, como meio de reestruturação do contrato, a qual possibilita a continuidade da relação contratual entre as pm1es obrigadas por intermédio da revisão das cláusulas do contrato afetadas pelo fato oneroso imprevisível.

J airo _Silva Melo57 compartilha deste entendimento, reiterando que

das soluções encontradas pelos comerciantes para realizarem a contratação internacional com uma margem de segurança satisfatória, ( … )uma delas se traduz na utilização de técnica redacionalnos contratos, mediante a inclusão de cláusulas de readaptação (hardship ), através das quais ocorre a possibilidade de que as partes mantenham o equilíbrio do contrato que pactuaram quando da sua celebração.

No desenvolvimento desta argumentação, conclui o autor por dizer que “a inclusão da cláusula de hardship permite a elaboração de um contrato no qual o seu equilíbrio resulte da convergência de interesses das partes que o integram, ( … ), resguardando, todavia, o respeito à vontade expressa pelas partes, relativa ao equilíbrio do contrato”.

Assim, as cláusulas de hardship aplicadas aos contratos internacionais, sobretudo de longa duração, não são senão a consolidação dos princípios da boa-fé, eqüidade e justiça contratual no âmbito internacional, mantendo: se o interesse primeiro dos contratantes, qual seja, o de não “auferir prejuízos em suas relações econômicas, em razão de fatos alheios e imprevisíveis. Configura, assim, um mecanismo de equilíbrio contratual, que possibilita aos contratantes interferirem nos resultados econôrnicos do avençado, quando constatada a ocorrência de fatos supervenientes à vontade das partes que desequilibrem a relação comercial inicial.

Nesse sentido, entende-se inconsistência a crítica à cláusula de hardship, cuja argumentação sustenta que a sua aplicação acaba por gerar instabilidade nas relações contratuais por provocarem ambigüidade nas obrigações avençadas. Primeiramente, convém destacar que as cláusulas de hardship, como já apresentado neste estudo, amoldam-se à vontade das partes, podendo ser amplas ou restritas. Segundo, as situações sobre as quais se estabelecem tais cláusulas de readaptação já são substancialmente instáveis e incertas, sendo justamente objetivo das cláusulas de hardship investir-lhes certa dose de certeza.

Por fim, tem-se a doutrina de Guimarães Menegale 58 acerca da Teoria da Imprevisão, fundamento originário das hardship clauses, para quem “a teoria da imprevisão, se torna mais aleatóriii a obrigação, torna menos aleatória a execução”. No âmbito internacional, é exatamente este o objetivo precípuo das cláusulas de hardship, isto é, tornar menos aleatória a execução, que, por prolongar-se no tempo, expõe-se, demasiadamente, às mudanças profundas que freqüentemente afetam a realidade econômica mundial. Com efeito, a aleatoriedade gerada à obrigação é amenizada pela ampla discricionariedade das partes quando da formatação destas cláusulas de readaptação, moldando-as às necessidades do contrato.

Nadia de Araújo, em esclarecedor estudo sobre as hardship clauses, também expõe a importância destas à reestruturação do equilíbrio contratual, afetado por fatos imprevisíveis, inevitáveis e geradores de excessiva onerosidade. No entendimento da autora 59,

nestes últimos (contratos internacionais de longa duração), o risco de uma mudança brusca e imprevisível das circunstâncias que existiam no momento de sua assinatura pode gerar inúmeros obstáculos à sua execução, pois diferida no tempo. ( … )de tal modo que é necessário ter um mecanismo para retomar esse equilíbrio. A inserção deste tipo no contrato acontece mediante uma cláusula específica, conhecida como hardship.

Indubitável, portanto, a atuação das cláusulas de hardship na conservação do· equilíbdo contratual entre as partes nos contratos internacionais, o que ocasionou sua aplicação nos mais diversos contratos, como os de seguros, commodities, offshore, e, especialmente os contratos de longa duração, como os celebrados na indústria petrolífera.

6 CONCLUSÃO

Algumas conclusões relevantes podem ser extraídas deste breve estudo acerca da cláusula de hardship enquanto instrumento de equilíbrio dos contratos internacionais.

Primeiramente, pode se afirmar que a referida cláusula tem como origem mais remota a cláusula rebus sic stantibus, bem como a Teoria da Imprevisão, apesar de seu precípuo fundamento de validade, na forma como é aplicada hoje, consistir na onerosidade patrimonial excessiva. Noutras palavras, apesar de configurar como um dos elementos centrais para incidência das hardship clauses, a imprevisibilidade não é mesmo auto-suficiente, sendo crucial a demonstração da extrema desvantagem gerada pelo evento superveniente.

Uma segunda conclusão, senão a principal, que se abstrai no desenvolvimento deste estudo, é a configuração da cláusula de hardship não como exceção frontal ao princípio do pacta sunt servanda, mas como verdadeira complementação deste. Sem quaisquer receios, pode-se afirmar que é a verdadeira possibilidade de rearranjo do contrato internacional, mantendo o equilíbrio das partes, na ocorrência de eventos imprevisíveis, danosos e supervenientes, que dá verdadeira estabilidade à força obrigatória dos contratos. Observa-se que sem a possibilidade de revisão, as relações contratuais restariam visivelmente incertas e inseguras, refletindo tal fragilidade nas próprias relações do comércio internacional.

Portanto, a cláusula de hardship é exceção ao princípio da força obrigatória do contrato no sentido de somente aplicar-se em casos isolados e que preencham os seus requisitos. Mas substancialmente configura o ponto de equilíbrio das relações contratuais, trazendo às partes a segurança de não experimentar perdas exorbitantes geradas por fatos imprevisíveis e indesejados.

Nesse sentido, ficou evidenciada, ao longo do presente estudo, a importância da cláusula de hardship na manutenção do equilíbrio das relações contratuais, advindo da própria autonomia da vontade das partes de o readaptarem às novas realidades econômicas que se apresentem, viabilizando sobretudo os contratos de loriga duração.

Numa última análise, cabe ressaltar que não se identificam as cláusulas de hardship e de força maior, que podem, inclusive, subsistir conjuntamente num só contrato internacional. A primeira consiste, respeitada doutrina divergente, numa cláusula de revisão, enquanto a cláusula de força maior uma cláusula exoneratória de responsabilidade.

A relevância da cláusula de hardship reflete-se também na dedicação que lhe destina as normas jurídicas de Direito Internacional, como os Princípios do Unidroit, hoje sem dúvida, uma das principais linhas mestras de segurança contratual nas relações do comércio internacional.

Por derradeiro, deve-se frisar que este artigo não objetiva esgotar, em momento algum, o estudo deste instrumento de revisão, até mesmo em face da acelerada e constante mutação da realidade internacional e das normas que a regem. Antes, espera-se tão-somente apresentar breves ponderações acerca da cláusula de hardship e sua atuação no equilíbrio dos contratos internacionais, contribuindo para a reflexão de tão complexo e relevante tema.

 

NOTAS:

1 Bacharel em Direito e Relações Intemacionais. Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela PUCSP. Professor de Direito Intemacional da Fadisp. E-mail: vladmir@aus.com.br.

2 Contratos Inominados ou Atípicos e Negócio Fiduciário, 1988.

3 Apud DERANI, Cristiane. Política Nacional” das Relações de Consumo e o Código de Defesa do Consumidor, p. 32.

4 O lntenioational lnstitute for the Unification of Private Law- Unidroit, é uma organização intergovernamental independente, sediada em Roma (Villa Aldobrandini), que desempenha importante missão no campo do Direito Privado. Fundada em 1926 como órgão auxiliar da antiga Liga das Nações e, seguindo-se à dissolução desse organismo precursor da ONU, foi re-estabelecido em 1940, com base em um acordo multilateral, denominado Estatuto do Unidroit. O Unidroit tem por finalidade examinar formas de harmonizar e coordenar o Direito Privado de Estados e de grupos de Estados, e preparar gradualmente a adoção, por seus membros, de regras uniformes de Direito Privado. (Disponível em: <http: //www.unidroit.org> ).

5 Art. 1.3 (força obrigatória do contrato)-“0 contrato validamente fonnado une os que o concluíram. As partes não podem modificá-lo ou encerrá-lo senão de acordo com sua disposição, de comum acordo ou, ainda, fundadas nas causas anunciadas nestes princípios”. Tradução própria.

6 Contratos, p. 36.

7 Tratado Teórico e Prático dos Contratos, p. 63.

8 “Falar da vontade e não mais de partes implica uma interrogação mais ou menos consciente sobre as fontes do direito, e as relações elltre a vontade e a let’. (tradução própria) L’autonomie de la volonté- naissance et évolution d’um concept, p. 47.

9 RANOUIL, Véronique. L’autonomie de la volonté, p. 58. Nas palavras da autora: “Ensuite, la pénurie de regles écrites en droit internacional incitait et même contraignait l’imagination dans les pensée, et dane, dans l’expression. L’audace était, au contraíre, proscrite dans le domaine du droit civil, en raison de la fascination exercée par la codification napoléonienne. Celle-ci explique /e développement de L’École de /’Exegese qui, souvent, stérilisa la pensé juridique en la réduisallf à w1 commentaire de la loi”.

10 Direito Internacional Privado- Teoria e Prática, p. 97.

11 Nas palavras deste autor: “Para os subjetivistas puros, a vontade prima sobre a lei, ou ·seja, o ajuste de vontade é suficiente para dar nascimento ao contrato. A priori as partes · não estão súbmetidas, pelo contrato, a nenhuma das leis estatais em presença. ( … ) Assim, para os subjetivistas, a lei escolhida assume o caráter de disposição contratual”. Contratos Internacionais do Comércio, p. 202.

12 Tratado de Direito Privado, p. 39.

13 Lex mercatoria pode ser brevemente definida como conjunto de regras de direito desvinculado da esfera estatal, que tem como fundamentos básicos os costumes e os princípios gerais do direito, a expetiência retirada de cláusulas e contratos padrão e de práticas reconhecidas internacionalmente por associações profissionais, organizações supranacionais e entidades semelhantes.

14 Sobre este assunto específico, alguns Protocolos e Convenções, como a de Bruxelas por exemplo, têm utilizado vedações expressas a foros exorbitantes, sendo inclusive apresentado na Conferência de Haia de 1992, pelos Estados Unidos, critérios para delinear a competência dos Tribunais nas lides internacionais, distinguindo-os em três zonas: branca (ex: domicílio do demandado); negra (ex: domicílio do demandante; notificação do demandado durante presença temporária; determinação unilateral do foro); cinza (residual, desde que não seja caso da lista negra).

15 Direito Internacional Privado, p. 810.

16 STRENGER, Irineu. Ob. cit., p. 811.

17 Glosa Diária, de Acúrsio, consiste na reunião das glosas do Digesto formuladas por mediadores que lhe antecederam.

18 Introdução ao Direito Civil, p. 105-106.

19 Apud BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil, p. 81.

20 Idem, p. 78.

21 Ibidem, op. cit., p. 79.

22 Novíssimo Dicionário Jurídico, p. 322.

23 Vocabulário Jurídico.

24 La regle morale dans lês obligations civiles, p. 132-157.

25 Da cláusula reblts sic sta11tibus.

26 Caso Fortuito e a Teoria da Imprevisão.

27 Escola culta ou elegante, que surge no século XVI e inicia, nos dizeres de Jacques Cujas, uma nova era para o estudo do direito romano. Esta escola tem como precípuo representante o jmisconsulto francês Cujácio (1522-1590), mestre em Bourges e Valença e cujo nome domina a ciência jurídica da Renascença.

28 Direito Civil, p. 462.

29 Op. cit., p. 670. Segundo o autor, “constata-se, com pesar, que no novo Código Civil a essência da imprevisão funda-se na excessiva onerosidade”.

30 MORAES, Renato José de. Cláusula rebus sic súmtibus, p. 75-7&. Na sua obra, que desponta como importante estudo sobre este instrumento de revisão judicial aqui sucintamente apresentado, o autor afirma que “( … )parece cabível afirmar que a resistência dos tribunais civis em revisar judicialmente os contratos vem diminuindo, mesmo que de forma velada e sem o emprego expresso de expressões como cláusula rebus sic sta11tibus ou teoria da imprevisão.( … ) A doutlina, por sua vez, tende em boa parte a considerar a teoria da imprevisão uma ferramenta necessária e mais satisfatória do que a intervenção do legislador para solucionar problemas ocasionados pelas mudanças de circunstâncias”.

31 Decisão publicada na Revista de Direito, l00/178, e reformada em 1932. No ínterim de seu julgamento, são as palavras do célebre Ministro: “A responsabilidade dos contratos de execução futura, em virtude de subseqüente mudança radical do estado de fato, não é contemplada expressamente em nossa lei civil, mas decorre dos princípios gerais do Direito e exprime um mandamento de equidade. A jurisprudência, com o apoio da doutrina, tem decidido qu_e tais contratos devem entender-se ‘rebus sic sta11tibus et i11 eodem stat11 mome11tibus’. E uma cláusula resolutório implícita, subentendida”.

32 Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em Vigor, p. 1.083.

33 Código brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p.l26.

34 Direito Civil, p. 470.

35 Apud MELO, Jairo de. Contratos Internacionais e Cláusula de Hardship, p. 81.

36 STRENGER, lrineu. Direito Internacional Privado, p. 748.

37 MELO, Jairo Silva. Op. cit., p. 84.

38 Dos Contratos Internacionais: uma visão teórica e prática, p. 143-144.

39 L’adaptation des contrats internationaux aux changements de circonstances: la clause “hardship”. p. 794. ” … celle aux teimes de /aquelle les parties pourront demander zm réaménagement du contrat qui les lie si un changement inten•enu dans les données initia/es au regard desquel/es elles s’étaient engagées vient à nwdifier /’équilibre de ce comrat au point de faire subir à l ‘une d ‘e/les une riguew: (hardship) injuste”.

40 Op. cit., p. 143.

41 Art. 6.2.2 (Definição)- Há hardship no momento em que sobrevirem acontecimentos que alterem fundamentalmente o equilíbrio das prestações, sendo que o custo da execução das obrigações tenha aumentado e o valor da contra-prestação tenha diminuído e; a) que os acontecimentos sejam supervenientes ou foram conhecidos pela parte lesada após a conclusão do contrato; b) que a parte lesada não pode, quando da conclusão do contrato, razoavelmente previr os acontecimentos em questão; c) que os acontecimentos escaparam ao controle da parte lesada e; d) que o risco destes acontecimentos não foram assumidos pela parte lesada. (tradução própria).

42 Ressalte-se que a tentativa de gerar uma lista taxativa dos acontecimentos albergados na cláusula de hal’dship representa, para muitos, um genuíno paradoxo, visto que esta cláusula destina-se a registrar fatos imprevisíveis. Seria, noutras palavras, a tentativa de prever  o imprevisível.

43 Nesse sentido, OPPETIT, Bruno. La clause hardship et la theorie de l’imprevision en droit coptpare, p. 335-351.

44 MELO, Jairo Silva. Op. cit., p. 110.

45 Art. 6.2.3 (Efeitos)- Em caso de hardship, a parte lesada poderá demandar a abertura das renegociações. A demanda deverá ser feita sem demora injustificada e ser motivado. 1) A demanda não dá por si própria, à parte lesada, o direito de suspender a execução de suas obrigações. 2) A falta de acordo entre as partes num período razoável, permitirá a uma ou à outra parte ingressar perante o Tribunal. 3) O tribunal que concluir pela existência de um caso de hardship pode, se considerar razoável: a) pôr fim ao contrato na data e condições que ele fixar ou; b) adaptar o contrato buscando restabelecer o equilíbrio das prestações.

46 ARAÚJO, Nadia. A Cláusula de Hardship nos Contratos Internacionais e sua Regulamentação nos Ptincípios para os Contratos Comerciais Internacionais do Unidroit. ln: O Direito Internacional e o Direito Brasileiro- Homenagem a José Francisco Rezek, p. 850.

47 Art. 7.4.1 (Direito aos danos excessivos)- A inexecução de uma obtigação dá ao credor o direito aos danos excessivos, seja a título exclusivo, seja em complemento de outros recursos, sempre sob a condição de exoneração prevista nestes Princípios.

48 Contratos Internacionais e Cláusulas Hardship.

49 Op. cit., “VERNÁCULO: CASO DE FORÇA MAIOR”. Ressalte-se que a visão apresentada pelo autor não é unânime na doutrina, que dispõe de inúmeras classificações sobre o tema, sobretudo no que concerne à diferenciação entre caso fortuito e caso de força maior, cujo estudo não nos compete neste trabalho.

50 REsp.l72.333/RS-DJ 14.09.1998.

51 Retoma-se aqui a questão do paradoxo de tentar prever o imprevisível, situação que ocorre na estipulação de situações que poderão ser abarcadas pelas cláusulas de hardship.m Neste caso, evidencia-se que a existêncià de lista exemplificava e não taxativa apresentase como mais coerente com o referido instrumento, visto a impossibilidade de limitar as hipóteses de incidência da cláusula quando se trata justamente da ocorrência de fatos imprevisíveis.

52 GRANZIERA, Mada Luiza Machado. Contratos Internacionais: negociação e renegociação, p. 83.

53 Contratos Internacionais, p. 248-250.

54 Art. 7.1.7 (Força Maior)- l) É exonerado das conseqü.ncias de sua inexecução o devedor que demonstrou que a mesma se deve à um impedimento que escapa de seu controle e que não se poderia razoavelmente esperar que ele levasse em consideração o momento de consideração do contrato, que evitasse o fato ou suas conseqü.ncias. 2) Sendo o impedimento tão-somente temporário, a exoneração produzirá efeitos durante petiodo equivalente ilO razoável para que tenl)a reparado os efeitos do impedimento da execução do contrato. 3) A parte inadimplente deve notificar a outra parte sobre o impedimento e seu impacto na sua aptidão para o·cumprimento. Se a notificação não é recebida pela outra parte num prazo razoável a partir de que a parte inadimplente soube ou deveria saber do impedimento, esta parte será responsável pela indenização dos danos e prejuízos causados pela falta do recebimento. 4) Nada do que está disposto neste artigo impede a uma parte exercitar o direito de rescindir o contrato, suspender seu cumprimento ou a reclamar interesses pelo dinheiro devido.

55 Princípios do Unidroit, comentário 6 do art. 6.2.2.

56 Direito Internacional Privado, p. 813.

57 Contratos Internacionais e Cláusulas Hardship .

58 Parecer, in: Revista Forense, v. 133, p. 46.

59 ARAÚJO, Nadia. A Cláusula de Hardship nos Contratos Internacionais, p. 840-841.

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